Santo António de Vale de Poldros
Data: 13 de junho
Muitas comunidades associam o Santo António ao santo padroeiro protetor dos animais, confundindo-o com Santo Antão. Daí o terem construído várias capelas dedicadas a Santo António em locais onde a pastorícia e a ganadaria eram a atividade preponderante, como é o caso de Vale de Poldros.
A romaria aqui celebrada no mês de junho traduz-se num evento cujas caraterísticas estão ligadas aos rituais de montanha e ao culto de proteção de animais. O facto de ser a uma altitude de cerca de 1200 metros, na parte montanhosa da freguesia de Riba de Mouro, concelho de Monção, era já de si suficiente para atrair multidões de romeiros e festivaleiros. Subir a montanha para um espaço aprazível e belo como é Vale de Poldros, é um ritual celebrado cada ano. Também esta capela tem os famosos ‘quartéis’, onde os crentes permaneciam durante a novena de preparação da festa a Santo António. Nos dias de hoje os ‘quartéis’ continuam a ser ‘arrematados’, no final da festa religiosa, para os três anos seguintes, mas já ninguém aqui pernoita, dada a facilidade de acesso à montanha, para participar nos rituais religiosos.
O contexto natural, ambiental e cultural dá a esta romaria a sua atratividade. Afinal, são muitos os habitantes locais que juntam à crença o reviver das memórias dos tempos de brandeiros. A branda da Santo António de Vale de Poldros, onde se celebra a romaria, faz parte da identidade da comunidade rural de Riba de Mouro e das freguesias vizinhas. Os animais vinham para li pastar no verão, após a lavra das terras cultiváveis. Permanecer ali no verão, nas ‘cardenhas’, obrigava a trazer para ali a vida comunitária, os rituais de proteção dos animais.
A romaria cumpre-se com as celebrações litúrgicas da novena preparatória, da missa de festa, sermão e procissão solene. É esta a razão da festa: os crentes virem ao santo Padroeiro pedir pelos seus animais, oferecendo-lhe ex-votos. Também pedem pelos seus ‘porquinhos’ e oferecem-nos para serem leiloados em favor da festa. Mas sendo o padroeiro um ‘santo casamenteiro’, há quem diga ser esta a festa onde devem encontrar o namorado e, caso o não encontrem, o verão será passado sem nenhum!
E, como em outras romarias de montanha, Vale de Poldros tem as corridas de garranos e exibição/concurso de animais, antigas feiras de gado. Mas o arraial e a festa lúdica têm algo de experiência mágica, quando se juntam aos romeiros as rusgas e os cantadores ao desafio, em entusiásticas desgarradas.
Edificado
A Capela de Santo António de Vale de Poldros é de uma arquitetura religiosa vernacular, várias vezes reconstruída, de uma só nave longitudinal, construída em granito, agora sem reboco. O retábulo do altar-mor, onde se encontra a imagem do santo padroeiro, Santo António, é de estilo neo-clássico, do século XIX. À volta da capela, dentro do terreiro, existem os quartéis, ou seja, as casas onde os romeiros permaneciam durante o tempo das novenas preparatórias. Têm uma arquitetura popular austera, com rés-do-chão e primeiro andar.
Nas proximidades da capela, na branda de Santo António de Vale de Poldros, existem construções chamadas de ‘cardenhas’, que são de uma arquitetura civil popular, abrigos de falsa cúpula, em pedra de granito e algum xisto. As lajes que fazem a falsa cúpula têm alguma dimensão. Normalmente têm dois pisos, sendo o inferior para a guarda dos animais (cortes) e o superior para a pernoita dos pastores.
Contexto territorial da romaria
Esta romaria à Capela de Santo António está intimamente ligada à branda de Santo António de Vale de Poldros. A branda foi a razão da existência da capela e seu culto, e este, por sua vez, acrescentou-se à toponímia do lugar.
Estamos num território de montanha, onde há uma branda, que aqui é um povoado sazonal de residência de pastores. Vindos da parte mais baixa da freguesia de Riba de Mouro, aqui cuidavam dos animais e cultivavam alguns cereais e batatas. A gestão das brandas não é em todo lugar igual. Para aqui vinham apenas os filhos mais novos, as crianças com alguma capacidade de autonomia, e os mais velhos. A restante família, com maior capacidade de trabalho, permanecia no povoado inferior a cuidar das terras e das sementeiras. Permaneciam na branda de maio a setembro, guardando os animais, cultivando batata e alguns legumes e colhendo feno para ser guardado. O tempo que permaneciam na serra era um tempo de trabalho, mas também de muita ocupação lúdica. Raros são os brandeiros que viveram esta experiência em criança a terem uma má memória do tempo passado no alto da montanha.
Os contextos ambiental, social e cultural, onde está inserida a capela de Santo António, são de extremo valor patrimonial. As comunidades construíram este espaço, adaptaram-no às suas necessidades e viveram-no durante séculos. Não só transformaram as leiras das brandas e nela produziram parte importante do que precisavam para o ano agrícola, como construíram as ‘cardenhas’ e sacralizaram este espaço com a capela e terreiro de festa. A celebração da romaria de Santo António é a forma como os brandeiros encontraram um espaço, agora sagrado, para partilharem o território da branda que anualmente utilizavam. Um lugar afastado e vivido isoladamente era, no dia da romaria, um espaço comum, vivido coletivamente e por todos celebrado pela fé e pela festa lúdica. Podia parecer um lugar vazio, coberta de tojo, giesta, urzes e carquejas. Mas era, quando ocupado sazonalmente, uma comunidade das casas da aldeia e, no dia da festa, a sua ritualização. O nome, Vale de Poldros, enuncia esses cavalos de montanha, pequenos e selvagens. Ainda hoje os garranos por ali pastam, livres e insubmissos.
Destaque
Moreia da Aveleira e Vale de Poldros
Para além da dimensão festiva e religiosa, paisagística e cultural, da romaria a Santo António de Vale de Poldros, destaca-se também um elemento orográfico da geografia deste local. O vale onde se situa foi formado pela atividade dos glaciares. Na verdade, nos locais que estiveram sujeitos à ação dos glaciares, durante o último período glaciário, podem observar-se formas erosivas, como circos e vales glaciários e rochas aborregadas, bem como formas de acumulação, como moreias e blocos erráticos. A forma caraterística destes vales, em U, formada pela pressão do movimento do glaciar que aqui existiu, deixando nas encostas ou na parte inferior do vale as famosas ‘moreias’ ou ‘morenas’, que são conjuntos de pedras pequenas ou blocos erráticos de dimensões consideráveis. São pedras sedimentares que o gelo transporta, acumuladas ou deixadas errantes no percurso do glaciar.
Visitar a Capela de Santo António de Vale de Poldros em dia de romaria é participar numa festa de montanha tradicional, com o culto a um santo protetor dos animais, mas é, também, ter uma experiência cultural e paisagística singular.
Contactos
Freguesia de Riba de Mouro, Monção ( Viana do Castelo )
41.99801186843549,-8.294310958265914 (Ver mapa)