Romaria de S. Bento do Ermelo
Data: 11 de julho
Convento de Santa Maria
Se há santo de devoção popular onde se leva toda a doença e toda a fé na cura, esse santo é o S. Bento. Tão próximo ele se transformou na crença popular e na vida de todos os dias, quando a aflição surge, que não estranha a familiaridade do trato quando o chamam: S. Bentinho!
A romagem a S. Bento do Ermelo, feita por centenas ou milhares de peregrinos, pela noite dentro, daí o lhe chamarem ‘romaria sem sol’, é mais um testemunho desta fé e familiaridade. Coincide a romaria de S. Bento, Padroeiro dos Arcos de Valdevez, com o dia do concelho (11 de julho). Para muitos já era dia santo, sem trabalho, para outros, o feriado municipal liberta-os para esta romagem, repetindo o ritual cada ano que passa.
O lugar onde está o ‘Santuário’ é o do vetusto Mosteiro de Santa Maria do Ermelo, fundado pelos monges brancos cistercienses, sob a regra de S. Bento. Deste mosteiro quase nada resta, a não ser a românica igreja, onde se venera o S. Bentinho. Como bem sabiam escolher os monges, a localidade é edílica e prazenteira, junto ao rio Lima, margem direita, na freguesia de Ermelo (hoje União de Freguesias de S. Jorge e Ermelo).
Os romeiros seguem os caminhos que vêm do Soajo, do concelho vizinho do outro lado do rio, Ponte da Barca, desde Paradamonte, das barcas de passagem, ou a jusante, pela estrada que vem dos Arcos pela margem direita do rio. A fé em S. Bento traz aqui tanta dor e sofrimento, tanta esperança e vontade de mudança, tanto querer e força da alegria. Nas mãos dos romeiros vemos os ex-votos, atestando a promessa a fazer ou o cumprimento dela. Ali chegados, fazem a romaria à volta do templo, a maioria a pé, alguns de joelhos, descalços, rezando a Deus, a Maria, e honrando o S. Bento. Entram depois na igreja, onde completam a reza e cumprem a promessa, ao depositar o ex-voto e dando a esmola. Alguns benzem-se com o chapéu de S. Bentinho, ali exposto. É um ritual cumprido por muitos dos peregrinos que aqui vêm anualmente. Confidenciam-nos as razões da promessa e da romagem: um familiar doente, um acontecimento doloroso, a própria doença entregue à vontade de Deus por intercessão do S. Bento. Para alguns a eficácia da graça consegue-se através do ‘voto de silêncio’, ao fazerem a peregrinação e romaria à volta do templo sem falarem, apenas rezando no íntimo do coração.
Aos ex-votos de cera, somam-se os cravos, brancos e vermelhos, pela graça de terem perdido os ‘cravos’ das mãos (verrugas), alguns ovos e, no passado, sal. Ouve-se a missa da madrugada, às seis horas da manhã, com o raiar do sol, a missa mais concorrida, celebrada por todos como o momento final da promessa. E de todos ouvimos as graças recebidas, o sentimento de dever cumprido, a promessa de voltar no próximo ano.
Os que chegam depois, também a maioria tem devoção e participa nas missas e na procissão, mas os jovens, na força do folguedo, celebram mais a camaradagem, o convívio e a oportunidade de partilhar um dia de festa e um lugar de exceção.
Santuário e edificado
A Romaria acontece num antigo mosteiro cisterciense, dedicado a Santa Maria, como todos os outros mosteiros da Ordem de Cister. Dele conserva-se a igreja românica e vestígios do claustro em ruínas, ambos classificados como Monumento Nacional. Terá sido fundado no século XII, dentro da regra beneditina e, como o Mosteiro de Fiães, Melgaço, com o qual se filiou no século XIII, adotou a reforma cisterciense.
Dele temos a referência mais antiga nas inquirições de 1258. O Abade de Claraval, que o visitou no século XVI, extinguiu-o no ano de 1533, passando a ser a igreja paroquial nos finais do século XVI, depois do Cardeal D. Henrique o ter secularizado no ano de 1560.
A igreja românica observa a planta típica de S. Bernardo e mantém-se muito bem conservada, depois de trabalhos de restauro. Nela encontramos pormenores do estilo românico português tardio, o que faz a transição do século XII para o XIII, chamado da 2ª fase do românico português, 1ª do foco do Alto Minho e do grupo das igrejas da Ribeira Lima. Para alguns autores a decoração dos capitéis aproxima-se mais dos exemplares românicos meridionais do que dos da bacia do Minho, de clara influência galega. O templo que hoje temos não é o mesmo inicialmente programado, pois para ele estava prevista uma planta em três naves e cabeceira de três capelas quadrangulares. O espaço do templo e as aberturas para iluminação foram reorganizadas em obras concluídas em 1760. A talha dos altares e as pinturas do teto são neoclássicas.
As obras planeadas e parcialmente executadas e o espaço urbano do templo, bem como as ruínas do convento, dão ao conjunto do santuário uma complexidade formal e estilística muito singular.
O contexto territorial da romaria
Olhe-se de onde se olhe, a Igreja do Mosteiro de Santa Maria do Ermelo evidencia-se no espaço. Vista de cima, desde a íngreme montanha do Outeiro Maior, ou do outro lado da margem do rio lima, na margem esquerda, ou mesmo nas proximidades, o conjunto construído e a paisagem envolvente fazem deste lugar uma paisagem cultural que justifica a visita.
Conciliar a imagem de S. Bentinho, com o seu tradicional chapéu de peregrino, as pedras medievais, onde a decoração e arquitetura românica carrega de mistério e fervor a leitura das construções, e a paisagem do Ermelo, ali no fundo, junto ao rio Lima, com o mosteiro envolvido pela exuberância da vegetação, é entender um património monástico, como só os monges de Cister sabiam organizar.
Da necessidade de serem autossuficientes, como monges de clausura estrita que eram, tiveram os monges de aproveitar as terras, e nela ordenarem as águas e disporem os cultivos. O que ali temos é um ecossistema, numa paisagem programada. Célebres são as laranjas do Ermelo, hoje valorizadas pelo seu paladar e qualidade, mas talvez ainda não suficientemente valorizadas para serem protegidas das infestantes que as vergam e secam. Os laranjais do Ermelo são parte fundamental desta paisagem cultural, do património desta romaria e das comunidades que o criaram e mantiveram durante séculos.
Destaques
Rota Cisterciense do Alto Minho – Galiza
Por ter sido fundada a Ermida de S. Bento do Cando pelos monges cistercienses do Ermelo, destacamos aqui a Rota Cisterciense, criada a partir dos caminhos percorridos por estes monges brancos. Inicia-se no mosteiro de S. Bento do Ermelo, concelho de Arcos de Valdevez, a Rota Cisterciense do Alto Minho – Galiza, um Itinerário Cultural alicerçado na história destes territórios. Desde a Idade Média que os monges dos mosteiros cistercienses do Alto Minho e Galiza percorriam um itinerário, em várias jornadas, com início neste Mosteiro do Ermelo e fim no Mosteiro de Santa Maria de Oseira, na Galiza. Eram monges de Clausura estrita, mas mantinham relações entre os vários mosteiros. Relações religiosas, administrativas, culturais e artísticas, transfronteiriças, concretizavam-se aqui há longos séculos. O nosso património regista as construções, as vivências, a transformação da paisagem no arroteamento da terra e na criação de microcosmos agrários, herdados em património natural, na organização das leiras, no arvoredo, plantas e sementes ainda hoje possíveis de encontrar numa arqueologia da paisagem. E deixaram-nos documentos, provas do povoamento, da economia e da vida dos nossos antepassados, como atesta o Cartulário de Fiães.
Desde o Mosteiro de Santa Maria de Ermelo subia-se para o Soajo, Adrão, em direção à Gavieira. Seguia pela Branda do Cando, Bouça dos Homens e Lamas de Mouro. Daí seguia por Alcobaça, Fiães (Mosteiro de Santa Maria de Fiães), Ribadavia, Leiro (Mosteiro de Santa Maria de San Clódio), San Cristóvão de Cea, para terminar no Mosteiro de Oseira. Tal era a dificuldade e perigo no caminho que os mosteiros intermédios serviam de repouso no percurso, mantendo as obrigações religiosas, administrativas e os trabalhos artísticos. Caminho de monges, a sacralizar percursos inóspitos, deixando neles as novidades do mundo e os saberes das elites. A ‘civilização’ de S. Bento, Patrono da Europa, também se fez por estes caminhos, ao procurar lugares férteis e abundantes em água, mas afastados das populações e ermos: vieram sistemas hidráulicos, normas e estilos construtivos, gestão da água, tratamento de gados e da terra, educação da fé.
Percorrer hoje, esta Rota Cisterciense, é ter consciência deste legado histórico, pois ela oferece um património paisagístico, arquitetónico, arqueológico e antropológico, a somar ao religioso, o da presença dos lugares de memória da difusão da fé cristã no interior montanhoso deste território.
Contactos
Ermelo, Arcos de Valdevez ( Viana do Castelo )
41.85360582685985,-8.289297249392105 (Ver mapa)