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Os Baptizados da Meia-Noite


Era uma vez um homem de idade avançada, mas saudável e musculado como um jovem.

Vivia nas montanhas da Serra Amarela, em Ponte da Barca, e tinha o cargo responsável de pastor vigieiro, soltando o grito viril “Bota la rês!”, quando a Primavera floresce os vales e as brandas se enchem de gado retouçante.

Espantava tanto vigor e alegria, capaz de animar, sem fadiga, o terreiro das romarias, no rodopio das danças e no lançar ao desafio, com voz bem timbrada, uma cantiga brejeira; de suportar, nos ombros alentados, o peso dos andores, ou segurar, firme, nas mãos, como vela de navio batida pelo vento, o pendão dianteiro da procissão; de voltear, com perícia, o varapau de lódão, a separar uma briga de feira, e de enfrentar, sem medo, a arremetida do lobo saído das brenhas.

Um dia, interrogaram-no sobre a causa de tanta energia, a origem da tanta coragem e força. Então, ele, como que em segredo, confessou o mistério dessa espantosa longevidade robusta:

Fora batizado, à meia-noite, com as águas do Lima, ainda no ventre materno, pouco antes de ser dado à luz, para que o parto corresse bem!

O costume, tradicional, praticava-se, com frequência, muitos anos atrás, na confluência das terras dos Arcos de Valdevez, Ponte da Barca e de Ponte de Lima.

E conta-se em curtas palavras:

Quando uma mulher daquelas bandas atingia os últimos meses de gravidez, o marido e os parentes mais chegados levavam-na, de noite, até às margens do Lima, quanta vez descendo, com dificuldade, ásperos córregos de pedra solta e urzes, entre a bruteza dos matagais, à luz bruxuleante de uma candeia.

Chegados, alguns deles aguardavam, numa das estradas ladeando o rio, o aparecimento da primeira pessoa que por ali passasse, dada a meia-noite e antes de despontar o dia, convidando-a “a fazer uma alminha cristã.”

Porém, se depois dessa hora, um cão ou um gato atravessassem o caminho, o batizado ficava adiado.

Pelos tempos de Inverno, quando as noites são tempestuosas e as cheias e o regougar da corrente afastam o viandante, era difícil lobrigar padrinho. E também o batizado sofria uma inquietante espera, às vezes, de dias.

Mas, se a sorte era propícia, o padrinho improvisado chegava junto da grávida e, com um ramo de oliveira, aspergia água do Lima sobre o ventre volumoso da futura mãe, rezando em cruz:

- Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!

Todavia, era da regra não pronunciar, nem ele nem os presentes, a palavra Amém.

O nome da criança seria apenas mencionado pelo sacerdote na pia batismal.

E pronto.

O Baptismo da Meia-Noite estava, assim, concluído.

Segundo a convicção do povo, quem receba, em tais circunstâncias, a bênção da água do Lima, nascerá de um bom parto e terá à sua frente uma vida feliz e prolongada.

Da verdade desta crença singular é testemunha aquele velho pastor de Ponte da Barca, admirável de juventude.

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