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O Peregrino das Fontainhas


Depois de avistar, lá do alto o verdejante vale do rio Vade, Victor Fontes redobrou a determinação e a todos, contagiou com o seu entusiasmo.

- Meus amigos, pr'á frente é o caminho. É sempre a descer. Agora só paramos na Ponte da Barca. Quanto mais cedo lá chegarmos, menos calor teremos de suportar. E olhai que o dia de hoje promete...

- Vamos a isso rapaz – animou um dos companheiros – Temos que manter o ritmo certinho! Passa p'ra cá o odre, para beber mais uma golada.

E, de imediato, o grupo meteu os pés ao caminho para mais uma etapa. Santiago de Compostela ainda estava muito longe. Mas o pensamento, agora, era apenas um: fugir ao calor, chegar depressa à margem do Lima.

O sol de maio não parava de apertar. O que ia valendo ainda era a frescura da verdura da paisagem e o cantar das águas dos ribeiros e do Vade, mesmo ali, ao lado.

Quando entraram no casario que se ergue, em cascata, a partir do rio, já o astro-rei estava farto de fazer estragos nas forças dos peregrinos. Confundido por uma sede morte, Victor só pedia uma bica que lhe avivasse a memória do seu nome.

Mas, à secura dos romeiros, juntava-se agora, um povoado quase deserto. Nem vivalma pelas esquinas! Apenas uns vultos, acolá ao fundo. Parecem ser vendedeiras. Vou lá! Vamos...

- Ó donzela louçã, não por aqui uma fonte onde possa saciar a minha sede? - perguntou suplicante.

- Vejo que sois peregrinos! Há uma, ali em cima, devotos de Santiago. É já ali... Tem uma água abençoada que inebria a alma e enche o coração – disse, prestável, a moça florista.

- Onde é?

- Eu vou convosco. Também quero encher este cântaro para regar as flores e enganar a minha sede.

E, virando-se para a vizinha Maria, pediu-lhe que deitasse um olhinho pelo seu rico e variado jardim:

- Eu venho já. Só vou buscar água e dar de beber a estes rapazes de Santiago.

Todos beberam sofregamente! Victor ficou para o fim. E, então, saciou a sua sede... A florista estava ao seu lado, com o cântaro na mão esquerda e a outra sobre o coração.

Depois, o peregrino ajudou-a a encher a vasilha. Pela primeira vez, pôde reparar e apreciar, maravilhado, a beleza do rosto da moça e o seu olhar penetrante! E, quando agarrou na asa de barro, pôde tocar, com tanta timidez, a pele quente e molhada da sua mão... Ele próprio fez questão de levar o cântaro para o posto de trabalho da samaritana florista.

- Como te chamas? Perguntou Victor, num tom terno e cativante, com o coração a palpitar de emoção.

- Rosa...Rosa das Fontainhas! - respondeu cúmplice.

O rapaz atirou uma moeda de prata para o avental de Maria, e num instante, pegou numa rosa vermelha e ofereceu-a à jovem:

- Esta é tua! Não a vais vender a ninguém! Adeus...

- Adeus rapazes e boa caminhada até Santiago, ó moço sequioso...

Estas palavras fizeram estremecer o coração de Victor. Junto ao Lima, do outro lado da ponte, pelos caminhos de Santiago, o jovem peregrino sentia-se obcecado. E, em Compostela, junto ao túmulo do apóstolo, não teve qualquer dúvida. Agora, só havia um desejo na sua alma. E foi esse o que pediu. Uma, duas, muitas vezes, com toda a fé...

Os companheiros achavam-no diferente. Mais pensativo, muito contemplativo. Não fosse a peregrinação e dir-se-ia que estava apaixonado. E, estava, de facto. Só desejava que o caminho de regresso desaparecesse dos seus pés e que a distância se encurtasse. Que Ponte da Barca estivesse já ali, no virar da última curva, para correr em direção àquela florista e declarar-lhe o seu amor. Sim, porque, quando lá chegasse, ela haveria de lá estar, à espera do seu amor, e a vender rosas e muitas flores.

E estava de facto. Disseram que se queriam e que se amavam. E Victor jurou, ali mesmo, que já não prosseguia a jornada com os companheiros. Que o seu lugar era, agora, aqui na Barca da florista, na Barca da sua Rosa das Fontainhas.

Um longo abraço uniu-os para sempre. E, no sussurro da paixão, o moço enamorado deixou cair estas palavras de confissão:

- Eu sabia que podia confiar em Santiago. Tenho tanta fé neste Santo!...

- Não te iludas meu amor! - segredou-lhe Rosa – Isto não é um milagre de Santiago. É mais um milagre, isso sim, da água das Fontainhas que, naquele dia, te ofereci, com tanta sede de amor. Por isso é que ficaste agarrado a esta terra, preso a esta Barca, apaixonado por quem te saciou.

- Abençoada seja esta fonte, por todos os séculos dos séculos sem fim! - gritou o vencedor, enquanto erguia nos braços a Rosa da sua conquista.

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