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Lenda da Pieira de Lobos


Era uma vez um cavaleiro chamado D. Afonso Ancemonde, senhor de Refojos, em terras de Ponte de Lima, onde residia, num grande solar acastelado.

Fora companheiro de armas do pai do nosso primeiro rei e, junto dele, travara inúmeras batalhas contra os moiros, distinguindo-se pela firmeza do pulso, no manejo do montante, a cair, violento, sobre os brancos albornozes, tingindo-os de sangue vivo.

Mas a sua bravura igualava a brandura do seu coração, perante o encanto de uma mulher.

Pois, ao apaixonar-se, aquebrantava-se-lhe o ímpeto guerreiro, entregue, unicamente, à doçura do amor.

Caçador infatigável, ocupava as suas madrugadas perseguindo, no monte áspero da Labruja, o rasto do urso, que por esses tempos habitava aquelas selvas, feroz e traiçoeiro.

Um dia, porém, surgiu-lhe, pela frente, ululante, uma alcateia de lobos famintos e ameaçadores.

Não se temeu dela D. Afonso. Tomou o arco e disparou uma flecha certeira, atingindo, entre os olhos de fogo, o chefe do bando, que o comandava à dianteira.

O animal ferido soltou um uivo medonho e desapareceu numa brecha entre dois altos penedos, seguido pelos companheiros.

Quis o fidalgo ir-lhes no enlace, esporeando, com fúria, os flancos do seu ginete aterrorizado.

Partiu o cavaleiro numa corrida desenfreada.

Mas o cavalo, cego de dor e de medo, foi chocar com a dureza dos penedos, derrubando D. Afonso, que ali quedou desmaiado.

Quando o senhor de Refojos abriu, por fim, os olhos, viu-se deitado numa vasta gruta recoberta de peles de corça, assistido por uma dama formosíssima, que tinha, aos pés, com a mansidão de um cordeiro, o lobo alvejado pela sua flecha.

Perguntou-lhe D. Afonso quem era e por que se encontrava naquele misterioso lugar, na companhia perigosa de uma fera.

Ouviu-lhe, então, com espanto, a história do que lhe havia acontecido e do que lhe estava a acontecer:

Última das sete filhas de um casal de nobres pergaminhos, os pais haviam-se esquecido de lhe dar por madrinha uma das seis irmãs, condenando-a, assim, a um destino maldito:

Quando a Lua Cheia ilumina as noites limianas, ela transforma-se em pieira de lobos, (pastora de lobos), vagueando, com eles, pelo escuro das brenhas, pelos fundos fojos das montanhas, vendo-lhes a fauce sangrenta de abocanhar as presas, os olhos coruscantes.

Mas, nesse dia, completava-se o sétimo ano da sua condenação, quando o amor de um homem a podia restituir à liberdade, à paz de uma vida normal.

Por certo, D. Afonso era esse homem que a salvaria de fado tão cruento, concedendo-lhe a desejada felicidade.

Mas não era.

O cavaleiro, embora fascinado pela beleza da jovem, julgou-se diante de uma impostora, de alguém que lhe cobiçava o nome e a fortuna, inventando uma história fantástica para o seduzir.

Talvez uma dessas muitas comediantes que conhecera nas trupes teatrais, animadoras de serões dos paços, com seus trovadores, poetas e bailarinos, suas momices e entremezes.

Sim: com muitas dessas comediantes tivera amores passageiros, que lhe enfraqueciam os golpes de espada, no ardor do combate.

Não, não acreditava naquela falsa pieira de lobos, no artifício da gruta, no lobo submisso!

Tudo aquilo era, apenas, uma cilada ao seu coração sensível.

Com um gesto indignado afastou de si a embusteira.

Ai dele, porém!

A pieira de lobos falava verdade.

E, magoada com a dúvida de D. Afonso, logo nesse instante lhe lançou uma terrível maldição:

- Tal como eu, irás vaguear, durante milhares de anos, atrás de outros milhares, por todos estes vales e florestas, em noites de Lua Cheia, seguido por uma alcateia ululante!

Depois dos malfadados acontecimentos desse dia de caça, o fidalgo pouco durou com vida. Doou aos frades todas as suas terras de Refojos e morreu de uma doença desconhecida e fatal.

Escusado será dizer que, quando sobre a Lua Cheia no céu daquelas paragens, no espaço de um relâmpado, qualquer um pode avistar D. Afonso Ancemonde, hirto na sela do seu cavalo, galopando alucinadamente, seguido por uma alcateia ululante.

Onde vai? De onde vem?

Ninguém o saberá dizer.

Sabe-se, apenas, que esta visão, iluminada por um luar funéreo, irá assombrar os caminhos da Ribeira-Lima, durante milhares de anos, atrás de outros milhares.

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