Santuário e Romaria de Nossa Senhora dos Milagres
A romaria à Senhora dos Milagres, na freguesia de Cambeses, Monção, é uma das mais concorridas deste concelho na experiência vivida pelos romeiros. Vinham os romeiros das terras vizinhas e do outro lado da fronteira, da Galiza, como diz o Padre António da Costa, na sua Corografia Portugueza (p. 216), pedir a Nossa Senhora a cura das doenças das crianças, pedir a saúde para o desenvolvimento das suas capacidades, cantando e rezando. Ir em romaria "aos Milagres” fazia parte do ciclo de vida de cada família, conforme cresciam os seus membros. Os 400 anos do Santuário dos Milagres são um património da fé cristã, da cultura erudita, na arte do templo, e da cultura popular, nos rituais e celebrações de culto do povo à Senhora dos Milagres. Cantar os "Romeiros da Senhora dos Milagres” é partilhar esta história secular de fé. O romeiro canta, para "três vezes rezar”, como diz o povo. "Levar o menino à Senhora da ermida”, para que pudesse falar, como diz a ‘estória’ que está na origem do Santuário, é confiar no milagre da cura, no poder da Mãe de Deus. Uma mãe que sabe as dores de todas as mães que vêm o filho sofrer. Os romeiros e peregrinos acreditam neste propósito de deslocação ao santuário para obter a cura. O próprio ato da romaria, vivido em grupo e partilhado, é um ritual de transformação, uma experiência renovada cada ano, entre as coisas comuns do dia-a-dia de cada crente. Mas são muitas as invocações e as razões de aqui vir. Por exemplo, as Memórias Paroquiais do século XVIII diziam haver aqui uma cabeça de Santo Amaro, procurada para a cura da raiva, provocada pela mordida de "cães danados”! Por esta razão também neste Santuário se venera e celebra o Santo Amaro em festa própria. Muitas são as invocações, as promessas e muitas as graças recebidas, como confirmam os ex-votos oferecidos.
Não é estranha a sensação de se viver um dia diferente na "romaria dos Milagres”, ao chegar-se a um templo destas dimensões e qualidade artística num espaço rural. Normalmente nas romarias sobe-se à capela de montanha, a um santuário envolvido pela natureza e seu parque acolhedor, como acontece aqui perto, seja na Senhora da Cabeça, em Cortes, ou no Senhor do Bonfim, em Anhões. O Santuário de Nossa Senhoras dos Milagres transformou o espaço onde se insere, dando-lhe centralidade urbana. Tão grande é o impacto, que o lugar central da freguesia de Cambeses se chama Praça dos Milagres.
Edificado
Arquitetura religiosa do século XVI, situada em espaço rural, mas de estilo erudito e de grandes dimensões. Arquitetura religiosa, maneirista e barroca. Igreja de planta longitudinal, composta de nave única e capela-mor, interiormente com teto de madeira na nave e abóbada formando caixotões sobre cornija e mísulas na capela-mor, com anexo e sacristia, retangulares, adossados e torre sineira. Fachada principal terminada em empena e rasgada por portal de verga recta encimado por frontão interrompido por nicho tripartido, sobrepujado por óculo circular e pedras de armas. No interior, coro-alto, púlpito no lado do Evangelho, ostentando decoração e retábulos em talha dourada e policroma, barroca e rococó e a capela-mor revestida a azulejos de tapete, de finais do séc. XVII, com dois padrões policromos sobrepostos.
O lado da Epístola apresenta oratório, cerrado por vidraça, com imagem do Senhor dos Passos, de grandes dimensões, e retábulo em talha branca e dourada.
Não se pode, contudo, deixar de salientar o altar lateral dedicado ao Espírito Santo. O retábulo é de exímia construção e decoração barroca, onde sobressaem os 12 apóstolos, esculturas muito expressivas, numa composição complexa em múltiplos micro-retábulos individuais. No topo, a Trindade Santíssima, onde se destaca a pomba, símbolo do Espírito Santo, que dá nome à capela lateral.
Contexto territorial da romaria
Tendo em conta o voto feito pelo instituidor do Santuário de Nossa Senhora dos Milagres, a crença de se estar perante uma invocação onde o poder miraculoso é a principal referência faz deste local um centro de romaria. A freguesia de Cambeses tem um riquíssimo património agrário, dado ela ser um alvéolo agrícola muito fértil, cercado por montanhas. Por outro lado, há todo um mundo lendário e mágico associado ao território, pois a freguesia tem no meio deste alvéolo o Coto do Crasto, transformando-o num miradouro privilegiado sobre o entorno. A Cova da Moura e o Monte do Castelo, com as gravuras rupestres, acrescentam uma apropriação do território marcada por narrativas do fantástico.
A crença religiosa na lenda que esteve na origem da ermida de Nossa Senhora dos Milagres reforça a adesão dos romeiros. Só uma adesão tão forte e sentida ao longo de gerações justifica estarmos perante um santuário com esta dimensão num espaço rural mesmo que tenha sido um voto de promessa de uma casa senhorial. As doenças e deficiências nas crianças eram muito comuns. Várias podiam ser as explicações para a origem destas doenças, mas nenhuma delas se alheava de um sentido vindo do religioso, de uma causalidade mágica, da relação entre a vida das pessoas e a vontade divina. Os rituais sagrados de intercessão e as promessas são o meio de se restabelecer uma harmonia perdida, de encontrar a ordem natural das coisas, perdida por alguma culpa, quantas vezes suposta em comportamentos ou palavras dos progenitores, como diz a lenda deste santuário. Quem vem a este santuário está imerso num campo simbólico onde a natureza, a crença, a vida quotidiana e a esperança de mudança do futuro. A doença, na nossa cultura, sempre esteve relacionada com o mal, com a culpa. Vir aos "Milagres” era e é dialogar com o bem e procurar uma resolução para estes medos.
Destaques
Festa da Rosca e do Papudo
Um dos patrimónios associados às romarias e festas religiosas é a doçaria da festa. Queremos aqui destacar entre os muitos "doces de festa” os já famosos papudos e as roscas. Fazemo-lo porque tem existido nos últimos anos uma valorização deste património em Monção, onde as receitas populares e simples, passadas de geração em geração, comuns a outras localidades e festas, se individualizam no processo de promoção e inventariação. Foi este o caso das famosas roscas, preparadas no tradicional forno a lenha, cozidas de porta aberta, para ganharem cor, antes de sobre elas correr o fio de açúcar que lhes dá a aparência final.
Na Praça de Nossa Senhora dos Milagres, no verão, há um festival gastronómico dedicado à rosca, celebrando esta arte doceira e o saber das ‘rosqueiras’ de Monção.
Contactos
Cambeses, Monção ( Viana do Castelo )
42.04596582234335,-8.4700501868758 (Ver mapa)