Romaria do Senhor do Socorro
É esta romaria do Senhor do Socorro, na freguesia da Labruja, Ponte de Lima, celebrada no primeiro domingo do mês de julho, uma das romarias com mais tradição no curso médio do rio Lima. A esta romaria acorrem romeiros das terras vizinhas do Vale do Lima, desde a foz, terras próximas a Viana do Castelo, como atestam os ex-votos oferecidos, ou romeiros do Vale do Minho, de terras de Monção, como até há bem pouco tempo faziam, num percurso desde Longos Vales, Merufe, Tangil, passando pelo Extremo onde, junto de N. S. das Angústias, em Insalde, Paredes de Coura, faziam a sua paragem para merendarem, até chegarem ao terreiro da Labruja.
O Senhor do Socorro é a grande romaria da margem direita do Lima, no século XVIII. Eram estes os pontos altos da romaria: as novenas preparatórias, frequentadas pela vizinhança e pelos romeiros que ficavam nos quartéis; as Feiras de Gado, ainda hoje com seu concurso; os arraiais festivos; a Missa e Procissão Solene do domingo de festa. Impressionam os andores artificiais, cheios de cor e enfeites, em folhas de metal coloridas, com motivos florais.
Desde sempre teve esta romaria rural uma vocação cosmopolita, pois a qualidade da arquitetura do templo e escadórios mostram como as famílias ricas e poderosas se organizaram para os construir, e para os valorizar, desde o século XVIII até ao século XX, como comprova a fotografia dos benfeitores ainda hoje presente na igreja. É também tradicional e passada de geração em geração a ligação da romaria a famílias emigradas no Brasil. Todos os anos, por ocasião da festa, o mordomo da festa é um membro desta família, deslocando-se a Portugal para manter a tradição e apoiar a festa.
Subir o monte da Labruja, para os que partem do vale do Lima, ou passar montanhas, para os que saem do Vale do Minho, é a prova da crença no poder milagroso do Senhor do Socorro, que ao longo da história tem salvo tantos dos seus devotos. Os ex-votos (objetos em cera, fotos e pinturas) atestam esta crença e o cumprimento das promessas feitas em seu nome.
Edificado
O Santuário do Senhor do Socorro foi construído nos finais do século XVIII, substituindo uma ermida anterior. Apesar da grandeza do templo, tem uma só nave. O ‘programa de construção’ era muito mais ambicioso. Para ali estava programado um parque no estilo do Bom Jesus do Monte, um ‘Monte Santo’, tal era a romaria em devoção ao Senhor do Socorro e o poder dos benfeitores. A Igreja estava projetada para outro local, mais acima do atual, no seguimento final do escadório que se inicia na monumental fonte, com gruta dedicada a Abel (datada de 1893), onde a bíblica personagem aparece coberta de peles e encostada a uma enorme maçã. Como vemos, os trabalhos no exterior continuaram após a construção do templo, que ostenta a data de 1773 na entrada. Aí começaria um escadório de vários lanços e patamares, neoclássico, que iria ser muito maior, mas que agora termina num terreiro situado sobre a colina, onde estão duas capelas, uma de cada lado do terreiro. É o terreiro onde se faz a Feira do Gado.
Situado o templo a sul da Casa da Irmandade e dos quartéis, mantém, no entanto, uma qualidade construtiva e finura escultória pouco frequente em locais rurais. Inclusive muito superior, ao nível de decorações e elegância das formas, nos poucos segmentos construídos, ao do Bom Jesus do Monte. As estátuas dos apóstolos, dos anjos e outras figuras bíblicas são de qualidade excecional. Para isso muito contribuiu o saber e arte dos artífices que aqui trabalharam e a pedra afeiçoada, com origem numa pedreira da própria freguesia. É esta pedra mais fácil de trabalhar, mas com mais risco de erosão.
A fachada é rococó, com duas torres flanqueando o corpo central, no qual se desenha a cornija pontiaguda do rococó. Sob a cornija ficam as armas reais; e logo abaixo delas, por cima do pórtico do templo, rasga-se uma janela com balcão, acolitada pelas estátuas de S. Pedro e, presumivelmente, do papa Clemente XIV. Depois de ultrapassar-se o pórtico introduz-se o romeiro na nave da igreja onde, na capela-mor (com uma pequena cúpula e lanternim) temos um retábulo em talha "rocaille” do último quartel de Setecentos (nos retábulos da capela-mor, púlpitos, sanefas e grade do coro) e bem assim talha neoclássica (no sanefão do arco triunfal e no trono do retábulo-mor). O retábulo rococó, muito cenográfico, centra-se na imagem do Cristo crucificado, o Senhor do Socorro.
No exterior, atrás do santuário, estão a Casa da Mesa da Irmandade e o edifício dos quartéis dos romeiros, os que vinham a esta romaria e os que se dirigiam a Santiago de Compostela, dado passar por aqui o Caminho Português.
A assinalar também, no terreiro, fora do recinto murado, sete fornos de pedra, hoje em grande parte enterrados, onde os romeiros assavam os cabritos e cordeiros durante o tempo das festas.
Contexto territorial da romaria
O Santuário de Nosso Senhor do Socorro adquire prestígio e predominância neste território pela imponência do templo e seus anexos arquitetónicos. Várias invocações perdem relevância pela afirmação patrimonial e religiosa deste santuário. É o caso das romarias à ermida de Santa Cristina, que tinha na Idade Média fama de conceder grandes milagres. A ela vinham das freguesias vizinhas clamores e procissões. Foi substituída pela célebre romaria do Senhor do Socorro. Como vimos, tinha este santuário grande abrangência territorial e influência muito para além do concelho de Ponte de Lima.
O contraste evidente entre a ruralidade do espaço envolvente e a arquitetura elitista do santuário mostra a complexidade dos espaços de sociabilidade deste território nos tempos que antecederam o final do Antigo Regime. Ao mesmo tempo que se afirmava o poder das famílias mais poderosas e dos lucros vindos do Brasil, manifestado no requinte das propostas artísticas e a substituição de pequenas ermidas devocionais por estes santuários, como centros de peregrinação, mantinham-se as celebrações populares e os velhos rituais dos romeiros, chamados a novos templos, pela sua imponência e beleza. Mas nos rituais religiosos, com cumprimento de promessas, e a consequente festa lúdica, toda a exuberância do povo, da sua cultura e fé, não se modificava. As célebres disputas nos terreiros, com as rivalidades conhecidas entre freguesias, e até pancadaria, mantinham-se. A dimensão do terreiro e a atratividade a territórios mais vastos acrescentava mais romeiros, povo e festivaleiros, aumentando o prestígio da romaria e a abrangência das sociabilidades.
Destaque
Monte de Santo Ovídio
A margem esquerda do rio Lima, no seu tramo central do curso português, tem na Vila de Ponte de Lima o foco principal. Se a paisagem vista do Monte da Labruja, onde se situa o Santuário do Senhor do Socorro, é já majestosa, ao abarcar o vale do rio Labruja, aquela que se vislumbra deste o Monte de Santo Ovídio consegue abranger tanto o mundo rural como o urbano e liga as quatro grandes romarias do concelho de Ponte de Lima, com exceção da de S. Cristóvão. São elas, na margem esquerda, as romarias de Nossa Senhora da Boa Morte, freguesia da Correlhã, e a das Feiras Novas, Vila de Ponte de Lima; e, na margem direita, a romaria do Senhor da Saúde, freguesia de Sá, e a do Senhor do Socorro, na Labruja.
É este monte um lugar privilegiado por várias razões. A ermida de Santo Ovídio corresponde ao processo de sacralização dos espaços povoados da pré-história. O seu muro de proteção atesta a cerca sacralizada e de segurança da ermida, num espaço ermo e sujeito a vandalismos. Ali existiu um povoado fortificado, um castro, e ainda hoje podemos ver uma sepultura medieval, de formato antropomórfico. Também temos acesso a arte rupestre, pois a sul do muro temos uma inscultura zoomórfica, um equídeo, a que chamam Pedra do Cavalinho. A datação desta inscultura é atribuída à época intermédia do calcolítico e bronze final, dentro daquilo a que classificam de Arte do Noroeste Peninsular.
O Monte de Santo Ovídio dá-nos conta da posição geoestratégica das manifestações sagradas e da arte, num contexto territorial muito diferenciado. Controlar as margens de um rio e os pontos de penetração para o interior de ambas as margens, desde as terras ribeirinhas e os vales dos rios afluentes, até ao alto dos montes, visualizados para todos os lados de onde se olhe desde este promontório, é mais um objetivo simbólico do que real. E, neste campo, o do simbólico, as manifestações reais de sacralidade e arte presentes no Monte de Santo Ovídio cumprem plenamente a sua função.
Contactos
Labruja, Ponte de Lima ( Viana do Castelo )
41.84182538815721,-8.593481292943698 (Ver mapa)