Romaria de S. Cristóvão, Senhora da Cabeça e S. Silvestre
Data: 24 a 25 de julho
A romaria a São Cristóvão, no monte com o mesmo nome, freguesia de S. Julião de Freixo, Ponte de Lima, é uma das mais tradicionais do Vale do Neiva intermédio. No local há duas capelas, uma dedicada a S. Silvestre e outra, mais antiga e centro da romaria, toda ela cercada por muro antiquíssimo, dedicada a São Cristóvão (‘São Cristóvão dos Milagres’) e Nossa Senhora da Cabeça. Este monte tem uma carga simbólica muito forte, pois existe aqui os restos de um anterior povoado da Idade do Ferro, prova de uma vivência ao longo de séculos. Tal era a importância desta romaria num passado ainda não muito distante, que, no dia 25 de julho, era feriado para as comunidades rurais das freguesias vizinhas a esta capela. Multidões de romeiros a cantar e rezar, formando procissões com clamores, vinham de todas as terras vizinhas a esta montanha, não muito alta, mas significativamente simbólica. O monte era o ponto de chegada para a romaria, mas também para a festa e arraial noturno, com convívio e namoricos, e daí a expressão: "se o monte de São Cristóvão falasse...”!
As Memórias Paroquiais do século XVIII falam desta romaria a S. Cristóvão: "aqueles que aspiravam à cura para os males do corpo, invocavam como protetor São Cristóvão, que segundo a tradição era advogado do fastio e muitos por interseção alcançam dele saúde”.
Trata-se de uma romaria antiquíssima, das mais significativas e celebradas neste território, só superada pelo desenvolvimento dos grandes santuários devocionais do século XVIII. O culto a São Cristóvão pelo fastio e a Nossa Senhora da Cabeça, pelos males da cabeça, são feitos com o cumprimento de promessas, romaria à volta da ermida, com os ex-votos ou imagem pequena da Senhora da Cabeça nas mãos, que deixam, depois, no interior da capela.
A bênção dos gados, no dia da sua feira, era um dos rituais mais importantes para os agricultores da região. Essa importância teve como consequência a construção da Capela de S. Silvestre no terreiro da festa.
Edificado
A Capela de São Cristóvão e Nossa Senhora da Cabeça encontra-se no alto do monte de São Cristóvão, dentro de uma cerca relativamente apertada, com muros altos. Esta cerca dá-lhe o aspeto de ser protegida por uma muralha, pois sendo uma capela isolada no monte, poderia ser vítima de vandalização. Dois postigos permitem o acesso através desta cerca murada. Eles criam uma forte expectativa na aproximação à capela, delimitando claramente o adro religioso do exterior denso de arvoredo. Trata-se de uma arquitetura original no contexto das capelas devocionais, sendo substituta de uma outra mais antiga. Data provavelmente dos séculos XVI/XVII e apresenta uma forma longitudinal quase cúbica, de uma só nave, com aparência fortificada, pois a estrutura de travejamento e telhado é oculta pelo aro superior pétreo de grande envergadura. Assim, ela é formalmente bastante simples, com parcas aberturas, mas sobressai esse volumoso friso granítico que remata a sua forma cúbica. Tem familiaridade com a capela de Santo Ovídio e São Lourenço da Armada.
Há documentação que coloca os rituais religiosos nesta ermida por volta do século IX/X, possivelmente dedicada a S. Tiago, dado o culto a São Cristóvão só ter sido aprovado pela Igreja no século XII.
No recinto da romaria existe ainda uma capela dedicada a S. Silvestre, do século XIX, de arquitetura religiosa vernacular.
Contexto territorial da romaria
A romaria a São Cristóvão e Nossa Senhora da Cabeça abarca uma grande parte da bacia central do rio Neiva. Há notícias de ela ter atingido na Idade Média tal importância que a ela vinham crentes de muito mais longe, inclusive da Galiza. Se perdeu essa abrangência territorial no século XVIII, manteve a devoção e atração das comunidades agrárias do Vale do Neiva até quase ao final do século XX, mesmo que ainda hoje seja das romarias mais típicas e celebradas por uma franja de crentes que sobrevivem a esse tempo áureo. A crença no poder milagroso dos patronos da ermida justificava a dimensão da romaria. As doenças da cabeça e a perda de apetite, numa época onde a fome era frequente e as doenças mais graves associadas à cabeça não tinham explicação científica nem profissionais especializados, levavam os romeiros a promessas de fé. Eram as necessidades básicas: combater o fastio, quando a falta de apetite era sintoma de coisas ruins, de indício de doença grave; pedir a saúde da cabeça, quando as dores de cabeça e a loucura campeavam pelas casas familiares. Garantir a sanidade dos corpos, sem a qual tudo, na sustentabilidade da vida familiar, estava em risco, era o propósito de toda a crença religiosa desta romaria.
E, depois, a necessidade de sobrevivência alimentar e segurança da casa dos agricultores, concretizada na posse de animais, principalmente do gado bovino. Daí a presença de S. Silvestre, patrono dos animais. Estando esta ermida circundada de terras muito férteis, onde a atividade económica era essencialmente a agricultura, a devoção e o ritual de trazer a este monte os animais para a sua bênção e proteção impunha-se como necessidade vital. De alguma forma, esta romaria sintetiza a história do mundo rural medieval, que depois do fim do Antigo Regime ainda perdurou décadas, bem dentro do século XX.
Destaque
Bênção e Feira do Gado
Alguns autores distinguem as romarias com feira, das romarias onde ela não existia. É certo que as que tinham feira se destacavam, pois, as feiras davam conta da centralidade e importância desta romaria num determinado território.
Um dos rituais de feira mais importantes nas romarias tradicionais era a feira do gado. Essa importância estava tanto no ser esta feira uma oportunidade para a venda e compra de um bem essencial à vida da economia agrária tradicional, como na celebração do ritual da bênção e proteção do gado.
Freixo já era um centro mercantil com feira franca de 15 em 15 dias, desde meados do século XVIII. As freguesias vizinhas quase paravam as atividades agrícolas para se deslocarem a esta feira, dia aproveitado para reuniões das entidades institucionais, como as juntas de paróquia. Na Romaria a São Cristóvão dos Milagres havia a maior feira de gado das redondezas. É celebre o cuidado colocado pelos lavradores ao preparar os animais, tratando-os com especial alimentação e cuidado nos dias de véspera, para depois os adornarem com ramos de flores, antes de subirem ao terreiro da romaria, para a feira e ‘Bênção do Gado’. A apresentação do gado era a apresentação da casa de lavoura; era o orgulho do chefe de família, obrigando todos os elementos da casa a trabalhar e cuidar dos animais para que fossem apresentados em todo o seu esplendor. Ou seja, a boa apresentação do gado não servia apenas para serem atrativos aos compradores e negociantes. Ela era uma obrigação, pois apresentava a casa familiar e era a ‘chieira’ dos seus membros. Chegados ao terreiro, os animais e pessoas faziam a romaria à volta de capela de S. Silvestre, antes de irem para o terreiro e passarem horas a serem observados pelos negociantes e demais agricultores. Saber observar e analisar as boas caraterísticas de um touro, vaca ou vitelo era uma arte só adquirida com experiência e longa preparação. Por vezes dava-se um prémio aos melhores exemplares de gado presente na feira. Ainda hoje os concursos de animais bovinos são uma mostra, mais sofisticada e profissional, daquilo que era o papel e significado do gado na vida destas comunidades.
Contactos
Freguesia de S. Julião de Freixo, Ponte de Lima ( Viana do Castelo )
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