Romaria de Nossa Senhora da Cabeça
Data: Segunda e terça-feira de Páscoa
É mais uma invocação de Nossa Senhora da Cabeça, tão comum e querida dos devotos do Alto Minho, pois é celebrada grandiosamente em Freixieiro de Soutelo (Caminha), em Cortes (Monção) e aqui em Cristelo Côvo, Valença. Nas imediações da cidade de Valença, hoje formada pela União de freguesias de Valença, Cristelo Côvo e Arão, celebram-se todos os anos a romaria de Nossa Senhora da Cabeça, na segunda-feira de Páscoa, ocasião para também se celebrar o tradicional ‘Lanço da Cruz’, no rio Minho, e na terça-feira, dia da procissão.
O parque com o mesmo nome, junto ao rio Minho, é o local aprazível para acolher os milhares de romeiros da Senhora. Sobem o grande escadório até à capela onde fazem a romaria, com os ex-votos na mão (normalmente uma cabeça de cera), para, depois, entrarem e depositarem a sua esmola. Passam a mão pela imagem da Virgem Protetora, levando-a de seguida à própria cabeça, buscando a proteção e cura dos males da cabeça. Isto porque a iconografia desta invocação apresenta a Senhora com a mão sobre a sua cabeça. Perante tal imagem, os devotos e romeiros seguem o mesmo gesto.
Dar continuidade às festas pascais com a romaria à Senhora da Cabeça acontece em vários locais do Alto Minho. O ambiente pascal e o tempo disponível do fim de semana pascal trazem imensos romeiros de terras longínquas de Portugal e da vizinha Galiza.
Ao acontecer o ‘Lanço da Cruz’, já não é apenas a cruz do Compasso Pascal português a passar pelo terreiro da festa, mas ali vem também a cruz da outra margem do Minho, dada a beijar aos presentes, os que ali vêm para ver o ‘Lanço da Cruz’ e os que ali estão em romaria à Senhora da Cabeça.
Destaca-se a procissão de velas noturna, que sai da igreja matriz de Cristelo Côvo por volta das 21h00, e vai até ao santuário. Após os atos religiosos, segue-se o arraial com música e fogo de artifício. Na terça-feira é o dia da procissão. Sai esta de manhã, acompanhada pela banda filarmónica, da Igreja Matriz em direção à capela de Nossa Senhora da Cabeça, após a qual se celebra a missa solene, a completar os rituais religiosos.
Edificado
A Capela de Nossa Senhora da Cabeça, de Cristelo Côvo, é um modesto templo de uma só nave. Na fachada, destaca-se o portal, ladeado por duas pequenas janelas na parte inferior da fachada e o um frontal triangular, encimado com pequeno óculo, a fachada é rematada por uma cruz latina em pedra. Tem uma pequena e simples torre sineira do lado do evangelho, recuada em relação à fachada, sem sino. No interior sobressai o altar da Senhora da Cabeça muito simples e moderno. A capela-mor é adornada com azulejos modernos num aro inferior da parede.
Importa salientar o parque de Nossa Senhora da Cabeça devidamente estruturado para receber os romeiros e os convivas, junto ao rio Minho. Sobressai o grande escadório que leva os romeiros desde este parque até à Capela é de vários lanços de escadas e, apesar de não ser de sofisticado labor de cantaria, marca o monte sagrado, pois orienta o romeiro para a entrada da capela, num subir penitencial, entre árvores frondosas.
Contexto territorial da romaria
As romarias da raia minhota
As romarias de Nossa Senhora da Cabeça, seja em Cristelo Côvo, Valença, seja em Cortes, Monção, fazem parte de um conjunto significativo de romarias do Alto Minho às quais acorrem romeiros da Galiza. Nestas, destacam-se as do vale do Minho, as do litoral, até Vila Praia de Âncora e, no interior, as da Peneda, de S. Bento do Cando, de S. João d’Arga, etc. Do lado galego, são muitas, também, as romarias onde vão os portugueses da raia minhota, como A Franqueira (Pontevedra), a romaria de Santa Marta de Ribaterme (As Neves), Santo André de Teixido (Cedeira), etc., para além da peregrinação a Compostela.
O que interessa aqui destacar é serem os espaços e momentos das romarias, assim como os percursos percorridos pelos romeiros e peregrinos, os lugares e tempos de intercâmbio e partilha de uma cultura de fé e cultura patrimonial, que, apesar de terem sido herdadas de uma histórica origem comum, foram-se alterando ao longo do tempo, pelas dependências administrativas diferentes, fossem elas religiosas ou políticas. Mas estas contrariedades políticas nunca impediram a troca cultural, o cumprir de promessas para lá da fronteira do rio Minho. Percursos e tradições vindas desde tempos anteriores à formação dos reinos ibéricos, que, com a cristianização, se solidificaram mais e se evidenciaram em santuários e ermidas com santos partilhados, até porque muitos séculos depois da independência de Portugal, a parte portuguesa a norte do Rio Lima esteve sob administração da diocese de Tui. Mesmo depois da integração na diocese de Ceuta e, posteriormente, na de Braga, esta tradição da romaria e peregrinação a santuários e ermidas aos dois lados do rio Minho se mantiveram e, até, cresceram.
Muito do património comum, linguístico, arquitetónico, tradições orais e performances artísticas, para além da crença, foi mantido e revivido nos rituais religiosos e, principalmente, nos arraiais e nas trocas de amizade, quando não de amores correspondidos que levaram a casamentos. As romarias do Alto Minho e da Galiza foram esses espaços de partilha do património e de uma amizade que permaneceu muito para além do poder político e dos conflitos fronteiriços.
Destaque
Lanço da Cruz
Por ocasião da romaria a Nossa Senhora da Cabeça ocorre, na segunda-feira de Páscoa, o ‘Lanço da Cruz’, um dos momentos importantes das celebrações desta festividade. Assim, na segunda-feira de Páscoa, as comunidades ribeirinhas do rio Minho, entre Portugal e a Galiza, partilham a sua Cruz de Páscoa, ambas adornadas de flores. Esta relação transfronteiriça faz-se entre as paróquias de Cristelo Côvo (Valença), e a galega de Sobrado – Torron, concelho de Tui (Galiza). Os párocos, com o cortejo de Páscoa, cruzam-se no rio Minho, levando as cruzes a beijar às comunidades da outra margem. Em Cristelo Côvo celebra-se as festividades da Senhora da Cabeça. Para ela vêm as pessoas da outra margem e a cruz galega. Do outro lado esperam a cruz minhota um grande número de pessoas. Num parque especialmente comprado e preparado para a receber, estão carros e tratores adornados. Ali todos os presentes festejam uma comensalidade programada.
O nome de ‘lanço’ vem da tradição de, por esta ocasião, os pescadores lançarem as suas redes, benzidas, às águas do Rio Minho. Todo o pescado recolhido nesse ‘lanço’, nomeadamente a lampreia, é direito paroquial.
Levar a Cruz do Compasso Pascal ao Rio Minho, é a forma que a comunidade de pescadores encontrou para sacralizar uma das atividades do seu quotidiano, para além dos trabalhos da terra. Benzer as redes e levar a cruz ao meio do rio traz essa segurança da crença numa arte marcada pelo aleatório. Ao mesmo tempo, este Lanço da Cruz celebra a relação entre as comunidades das duas margens do rio Minho. É o dia da Festa Pascal, mas é também por estes dias que se celebra a Festa de Nossa Senhora da Cabeça, romaria tão querida pelas duas margens do rio. A comunhão entre portugueses e galegos celebra-se nestes dois rituais, reforçando os laços de amizade e de mútua ajuda, ultrapassando as fronteiras políticas e administrativas. O Lanço da Cruz é um património cultural imaterial, ao mesmo tempo religioso e civil, mas de grande significado para as comunidades ribeirinhas.
Contactos
Cristelo Côvo, Valença ( Viana do Castelo )
42.02538532550581,-8.656610746699787 (Ver mapa)