Romaria da Senhora da Boa Morte
Data: Fim do mês de julho
A romaria de Nossa Senhora da Boa Morte, celebrada no mês de julho de cada ano, tem o seu apogeu no século XVIII, onde a dimensão e qualidade do templo sedimenta a crença na proteção da Virgem na hora da morte de cada cristão. A morte é um dos momentos mais ritualizados religiosamente, culmina o ciclo de vida humano e expressa-se na fragilidade da velhice e pelo sofrimento que acarreta. Ao mesmo tempo, a morte confronta os humanos religiosos com a passagem para outra vida, momento sensível de confronto com todo o percurso terreno, entre a condenação ou salvação da ‘alma’. Os romeiros, que aqui vêm de muito longe, pedem à padroeira do santuário estas duas graças: uma morte sem sofrimento e a vida eterna junto de Deus. Os rituais de morte têm de ser cumpridos religiosamente, ou seja, como a tradição estabelece, para que não haja o risco das ‘almas perdidas’. Muitos dos romeiros referem esta preocupação perante a dor e sofrimento físico, associados ao fim da vida, e também o desejo de que essa ‘boa morte’ seja também espiritual.
Mas se a romaria atrai tantos romeiros, ela é sobretudo uma celebração da própria comunidade cristã da Correlhã, pelos custos envolvidos na realização da festa e pelo empenho de todos no seu sucesso. As novenas preparatórias e as missas solenes, assim como a procissão do dia de festa mostram tanto a piedade cristã, como as tradições culturais e o património religioso, económico e artístico da aldeia. Destaca-se a mordomia. De alguma forma, estas jovens vestidas com trajes regionais, simbolizam a beleza da vida, do futuro da comunidade. Elas pedem dinheiro para a festa, mas elas são a expressão da riqueza da comunidade.
Momento alto de preparação da romaria é o cortejo de oferendas, onde dezenas de tratores carregam bens que são, depois, leiloados. O cortejo é a oportunidade para mostrar a generosidade e o património cultural da freguesia. A Feira do Gado era um outro momento de grande importância, dada a riqueza agrária da Veiga da Correlhã. Depois o programa lúdico da noite de arraial, com célebres Bandas Filarmónicas, conjuntos musicais e fogo de artifício. No final, no Domingo de Festa, a Missa solene e a majestosa Procissão ocupam os lugares cimeiros da romaria. Os grupos folclóricos da freguesia, com grande tradição, abrilhantam as festas e as danças folclóricas.
À volta da igreja, a todo o momento, passam centenas de romeiros, cumprindo os votos feitos à Senhora da Boa Morte.
Edificado
O edificado do Santuário de Nossa Senhora da Boa Morte encontra-se no interior de um parque arborizado, na encosta do Monte da Mó. Foi a grande tradição de romaria, com consequente número de romeiros, a justificar a necessidade de tal parque, enobrecendo a festa e o próprio templo.
Trata-se de uma igreja de peregrinação, de arquitetura barroca, construída entre os séculos XVII e XVIII. Para a igreja sobe um escadório simples e relativamente recente (1988), mas suficientemente largo, deparando o romeiro com uma fachada tripartida, que anuncia as três naves do templo. As naves laterais, terminadas por empenas, encontram-se ligeiramente recuadas em relação ao corpo central, onde se abre o portal. Portal de linhas retas, ladeadas por pilastras, que suportam o entablamento sobre o qual se ergue um brasão de armas flanqueado por volutas e pináculos, e uma janela de pequenas dimensões que ilumina o coro.
É um templo maneirista, mas segue depois uma linguagem claramente barroca. Dedicado a Nossa Senhora da Boa Morte, destaca-se no altar-mor, em dois pisos, o dossel onde repousa jacente a virgem. Neste altar-mor encontramos uma organização barroca envolvida por um cenário com um retábulo trabalhado em estilo nacional. A fábrica deste altar-mor foi entregue em 1719 ao entalhador bracarense Francisco Pereira de Castro. O conjunto escultórico da imagem jacente de Nossa Senhora da Boa Morte, rodeada de esculturas dos apóstolos, é em madeira polícroma e estofada, numa volumetria e dinâmica esplendorosas. Estas estátuas são autênticas obras primas do nosso barroco, pelo grande expressionismo nas suas atitudes dramáticas e foram esculpidas em volumes largos e rígidos, mas extremamente sedutores. A Virgem é já de modelação mais suave. O dossel que encima o leito de morte da Virgem é Rococó. A estrutura do retábulo de talha do altar-mor revela uma conceção impressionante e completamente distinta dos habituais retábulos portugueses.
Os retábulos laterais, de estilo joanino, foram executados entre 1740-1742, pelo entalhador bracarense Jacinto da Silva. A representação do Inferno / Céu / Purgatório nas pinturas do subcoro, com carácter nitidamente escatológico, são singulares e acrescentam ao conjunto uma cenografia simbólica muito coerente.
Contexto territorial da romaria
Esta é uma das romarias mais importantes da margem esquerda do Vale do Lima. As riquezas agrícolas das veigas das margens do rio Lima garantiram aos lavradores casas agrárias ricas e de prestígio. Por sua vez, também daqui saíram migrantes para terras do Brasil e outras paragens. São estes migrantes filantropos a contribuir para o engrandecimento e financiamento deste templo. Desta forma, o templo da Senhora da Boa Morte, pela sua grandiosidade, contribui para a centralidade religiosa da paróquia da Correlhã, ligada historicamente a Santiago de Compostela. De facto, foi doada por Ordonho II a Santiago de Compostela em 915 ("in ripa Limie Villam quam vocitant Cornelianam....”).
Para além de uma economia com capacidade crescente, a localização desta paróquia coloca-a, nos séculos XVII e XVIII, nos eixos de influências artísticas promissoras, entre os artistas de Braga e os pedreiros e outros artistas mais a norte. As inovações na organização do espaço do retábulo da capela-mor, a qualidade das esculturas e o apoio da sociedade a este investimento são prova clara da atratividade desta terra para a escolha de bons artistas e grandes benfeitores. A presença desta qualidade artística num espaço rural, onde o esplendor do barroco adquire singularidades incontestáveis surpreende, à primeira vista, mas compreende-se pela conjugação dos valores económicos, artísticos e religiosos da sociedade limiana desta época. Os outros templos da freguesia, como a Igreja Matriz e a Capela de Santo Abdão, comprovam a centralidade e valor artísticos dos templos religiosos, a que se podia acrescentar o Cruzeiro da Pedrosa, seiscentista, de grande qualidade decorativa, perto do qual passa o Caminho Português para Santiago de Compostela.
Destaque
Conjunto da Igreja Matriz e Capela de Santo Abdão
O conjunto patrimonial religioso da velha Igreja Matriz da Correlhã e a Capela de Santo Abdão é de grande beleza e um testemunho da arquitetura românica do Vale do Lima. A Igreja Matriz, apesar de sua grandeza significativa, é de nave única, muito alterada no seu interior. Mas o estilo românico sobreviveu no conjunto de modilhões que envolvem o aro superior da igreja, a toda a sua volta, com ilustrações escultórias típicas do mundo românico, onde são representadas figuras humanas e animalescas.
Ao seu lado temos a Capela de Santo Abdão, que, sendo muito mais pequena do que a Igreja Matriz, conserva grande parte da sua estrutura arquitetónica inicial, atribuída por uns ao século XIII, e outros ao século XIV, época em que o culto a Santo Abdão teria algum impacto. Não deixam de existir lendas sobre a sua origem, como a de ter sido mandada construir por dois italianos, peregrinos de Compostela que aqui haviam pernoitado. Também suscitam discussões lendárias a desaparecida estátua de um homem nu na fachada do templo. Não se conhecem as razões da construção e os seus promotores, mas o estilo e caraterísticas da capela justificam que seja de caráter funerário.
Estruturalmente, o monumento compõe-se de uma nave retangular a que se adossa, a nascente, uma abside igualmente de planta retangular, mas mais baixa e estreita que o corpo. Unem-se através de um arco triunfal apontado, assente sobre capitéis vegetalistas e colunas atarracadas. A toda a volta do edifício corre uma cachorrada de modilhões, já naturalistas.
Seria o homem nu do tímpano, apagado por mando do Visitador, o Adão ou o Santo Abdão, patrono, ou uma figura apotrópica, associada aos rituais funerários, celebrados no templo, é também uma discussão entre os teorizadores sobre este templo.
Contactos
Correlhã, Ponte de Lima ( Viana do Castelo )
41.73793012891694,-8.602599456947734 (Ver mapa)