Festa de Nossa Senhora da Encarnação, Lovelhe
Data: 2.º domingo de junho
A Festa de Nossa Senhora da Encarnação, em Lovelhe, acontece no segundo domingo de junho, de cada ano. Se não bastava a beleza do local, autêntico miradouro para o Vale do Minho, havia a narrativa de que ali teria ‘aparecido’ a imagem de Nossa Senhora, junto ao local onde atualmente está o cruzeiro. Era uma imagem pequena, sentada, e dentro de um oratório. E quem guardava esta imagem seria um velho eremita que ali vivia perto, numa gruta. Esta tradição oral é comum a outras capelas do Vale do Minho, como a de Nossa Senhora das Neves.
A velha ermida ali existente foi destruída por um incêndio em 1944, sendo reconstruída lentamente, com as dádivas dos devotos, e inaugurada em 1967. No incêndio desapareceu o altar onde estava a Virgem e, nos altares laterais, desapareceu a imagem do Senhor do Socorro, Santa Luzia e Santa Brízida. E só não ardeu a imagem da Senhora da Encarnação porque não estava na capela ao momento do incêndio.
A festa de Nossa Senhora da Encarnação, no seu simples templo, é uma romaria de montanha, celebrando a presença da Mãe de Deus, na invocação da Encarnação, num local cheio de história e arte, produzida pelos homens há milhares de anos. Sacralizou-se, pela cristianização, aquele belo lugar. A crença e devoção à Senhora é a crença e devoção à natureza, também. A cada ano sobem os romeiros para celebrar a festa e os rituais religiosos, pedindo à padroeira da capela as graças que afligem a sua vida.
Edificado
A capela atual, resultado da reforma realizada após o incêndio, é um pequeno templo, uma ermida de montanha, rústica de uma só nave. Tem a frente da porta principal protegida por um alpendre de pedra, câmara introdutória ao interior do templo.
Tudo é simples e pobre nesta capela, habituada à rusticidade do local. Mas ganha dimensão e beleza quando é valorizado o entorno, ou seja, o parque de lazer / terreiro de festa. A capela funciona como o elemento atrativo, sagrado e mágico, que sintetiza os sentidos do lugar. O Parque absorve esse poder simbólico do religioso e projeta-o na beleza da paisagem, dando-lhe dimensão e influência que não eram supostas.
O Monte do Crasto é célebre hoje pela presença do Veado Rei, símbolo de Vila Nova de Cerveira, obra do mestre José Rodrigues. Mas todo o monte é um palco da cultura humana, da humanização do território, pois todo ele está apropriado pela arte rupestre e pelo povoamento pré-histórico. O culto de Nossa Senhora da Encarnação segue essa história sagrada do monte, dando-lhe a leitura cristã. E para isso acontecer bastou esta simples capela!
Contexto territorial da romaria
O Monte de Nossa Senhora da Encarnação / Serra da Gávea, virada ao Vale do Rio Minho, sobre a urbe de Vila Nova de Cerveira, desfruta de uma paisagem avassaladora. A seus pés a vila, o Forte de Lovelhe, o Castelo, os parques ribeirinhos ao Minho; na margem direita do rio, as terras da Galiza e a montanha ao fundo; virados a poente, o rio leva-nos à foz, em Caminha, pousando o olhar nas ilhas da Boega e dos Amores; à grandiosidade do rio, o Monte de Góis e, na outra margem, a altivez do Monte de Santa Tecla, com seu Castro. Todo este vale está referenciado pela arte desde o paleolítico, Idade do Ferro, até à época moderna. Gravuras rupestres e povoamentos fortificados desvelam-se em grandes e pequenos penedos, em outeiros e meias encostas. A relação entre o monte e o rio, uma margem e a outra, as terras do interior e as das margens do rio, obrigou os humanos a pensar este território. Se o povoou de arte rupestre e assentamentos humanos com orientações simbólicas, também o cristianizou com as ermidas e santuários. E todo o vale do Minho evidencia a humanização do território. As sucessivas ermidas e capelas que pontuam os altos dos montes e suas encostas mostram como foi necessário uma reapropriarão cristã de antigos lugares sagrados. Subir ao monte, ao lugar mágico perto das entidades divinizadas, criar aí santuários para celebrar a vida e a morte, a saúde e a doença, pedir e agradecer graças, foi um comportamento repetido ao longo de diferentes culturas e de diferentes gerações.
O Santuário de Nossa Senhora da Encarnação é mais um dos registos deste processo de sacralização da montanha. E nada como uma sacralização pelo feminino! A mulher que gera vida, símbolo da fertilidade, mãe protetora e cuidadora, é a figura mais apropriada para ocupar o lugar da divindade. O Alto Minho multiplica esta presença do feminino e tem nela um dos símbolos mais destacados da sua identidade cultural.
Destaque
Os Petróglifos no Monte da Senhora da Encarnação
A freguesia de Lovelhe, onde se situa a Capela de Nossa Senhora da Encarnação, é riquíssima em património arqueológico. E esse património pode ser muito antigo, como o chamado ‘aro arqueológico de Lovelhe’, desde os povoamentos fortificados castrejos, a sua romanização, onde sobressai toda uma economia complexa, a refletir a riqueza da terra e os produtos do rio. Uma economia mercantil que usa já as potencialidades do rio. Depois seguem-se as evidências da ocupação suevo-visigótica. Mais tarde, volta a ter relevância com as Guerras da Restauração, construindo-se uma Forte, com a maior parte do material vindo das ruínas do castro. No monte nasce a Atalaia. Mas a esta sequência artística e histórica antecedeu uma extraordinária arte rupestre no Monte de Nossa Senhora da Encarnação.
Ao redor do parque e Capela, pelo monte, existem um conjunto de petróglifos bem visíveis. Estas representações gravadas (talhadas – como diz a palavra grega glyphein) pelos nossos antepassados nas rochas (petros) e penedos da montanha, são uma ‘escrita’ simbólica, mensagens a que hoje só nos aproximamos por tentativas de interpretação.
Nasceram os petróglifos do picar, riscar a pedra, por incisão ou desgaste (abrasão). Há diferentes tipos de petróglifos: abstratos, geométricos figurativos ou representativos. Se não se sabe a real função dos petróglifos, sabe-se que a realização deles tinha sentido para a marcação de territórios, ritualizar os lugares e o que neles vivia, ou seja, tinham certamente uma simbólica religiosa. Aqui aparecem composições com círculos e figuras quadrangulares, retangulares e assimétricas, preenchidos com nuvens de pontos.
No Monte de Nossa Senhora da Encarnação a abundância destes petrófilos geométricos e simbólicos mostra como era importante este território e o seu valor sagrado. Uma função que a Capela de Nossa Senhora da Encarnação não deixa de evocar no presente.
Contactos
Lovelhe, Vila Nova de Cerveira ( Viana do Castelo )
41.945773103729685,-8.729614477687468 (Ver mapa)