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Lenda Lobisomem da Junqueira


O tio António saiu naquele dia chuvoso para a junqueira, para além da ponte sobre o Coura, mesmo junto à Sra. da Ajuda. A necessidade de roçar um pouco de junco obrigava-o a manejar com força e destreza o gadanho que levara junto com a foucinha. Fazia-o como sempre o fizera, mas naquele malfadado dia um cão teimoso rondava continuamente e tirava-lhe a paciência. 
 - Sai cão! 
Ameaçava com o gadanho levantado. Em vão! De olhos fixos no pobre do tio António, ora ameaçava um pouco, avançando, ora recolhia mais ao largo. Isto sem nunca tirar os olhos do homem que o ameaçava. 
- Sai! Olha que te corto uma perna, seu filho da mãe! Ou foges ou não sei o que te faça! 
Nada! Aquilo estava a desesperar o trabalho. O que teria o raio do cão — pensava Tio António — para não temer o gadanho ou a foucinha, e para o fixar com tanta raiva? Agora era o pobre do homem que estava a ficar receoso. Não vira ele tantos cães a fugir diante de uma pequena vara, quanto mais do gadanho! Aquilo já lhe estava a passar o entendimento e, num ato de puro desespero, lançou o foucinho ao maldito cão, fugindo logo de seguida sem olhar para trás. Ainda ouviu um latido dorido, mas, assustado, nem se importou em largar tudo naquele lugar, voltando para casa. A mulher estranhou-lhe o comportamento, mas tio António não estava para conversas. Tão cedo não voltaria à junqueira!
Os dias passaram e outras necessidades se apresentaram. Precisava de uns touros para substituir os que há alguns anos o serviam. Um dia por ocasião da feira de Ponte de Lima, resolveu ir até lá para os comprar. Vestiu roupa a condizer e partiu, montes fora, na graça de Deus. 
Caminhava ele resoluto pelas veredas da Serra d’Arga, não sem um pouco de receio pelo que se dizia dos meliantes daqueles lugares, quando lhe apareceu um senhor muito bem vestido no mesmo trajeto.
- Muito bom dia! Então o senhor o que é que anda a fazer por estas veredas?
Questionou o estranho! 
- Venho comprar uns tourinhos a Ponte de Lima. 
- Uns tourinhos? Porque é que não compra uns touros já grandes, prontos a trabalhar? 
A conversa parecia querer ir longe! Tio António, cauteloso, lá foi respondendo: 
- Não, que não tenho lá muito dinheiro! Com o tempo eu vou-os ensinando! 
- Não! O senhor vai comprar, mas vai comprar uns bem fortes e grandes! 
Mas quem era aquele para lhe mandar fazer seja o que for? Quem é que sabia da Sua vida? Aquilo não estava a parecer-lhe muito correto. E menos correto lhe pareceu quando o desconhecido o convidou para entrar em sua casa, que ficava por ali perto, para comer! 
- Ai isso é que não vou! 
- Vai sim senhor! Vá, não tenha medo, pois faço muito gosto em tê-lo à minha mesa! 
Ao ver a bela casa apontada pelo desconhecido, e vendo os criados que lhe vinham ao caminho, o tio António, apesar de um certo medo por não o conhecer de lado algum, aceitou entrar. 
Entrados na casa, o misterioso homem levou-o à adega, e disse-lhe: 
- O senhor conhece aquilo que está ali pendurado na trave? 
Com cara de espanto, o pobre do tio António só balbuciou: 
- Conheço! Aquilo é meu! É a minha gadanha e o meu foucinho. Como é que vieram aqui parar? 
- O senhor não se lembra? Então eu vou-lhe contar, O senhor não andava um dia a roçar junco na junqueira, e não lhe apareceu um cão?
- Apareceu, apareceu! E eu atirei-lhe com o foucinho, mas deixei-o, pois tive medo que ele me fizesse mal! 
- Pois então, meu caro amigo, esse cão era eu! O senhor acabou com o meu mal, libertando-me de tal fada de lobisomem. E agora não vai comprar uns tourinhos... Vai comigo à feira e sou eu que lhos compro! 

Lá foram os dois a Ponte de Lima, onde o homem lhe marcou os melhores bois que havia na feira. Depois ainda o acompanhou no caminho até ao alto do monte. Chegado a casa, contou tudo o que lhe passou, e todo o mundo ficou admirado.

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