Lenda do Morto Vivo


Em tempos muito atrasados, lá par a as bandas de Cristelo Covo, perto da Senhora da Cabeça, havia um barbeiro. Ora, um dia, um homem foi cortar o cabelo. Naquele tempo um corte de cabelo eram trinta reis.

O homem lá se sentou no banco para cortar o cabelo, mas quando o tinha já cortado, não querendo pagar o trabalho, fez-se de morto, caindo redondo no chão! Bem, se estava morto, o melhor era metê-lo no caixão e seguir o serviço de funeral.

Lá meteram o homem no caixão e levaram-no para a igreja, a fim de aí ficar durante a noite para ser enterrado no outro dia. O coitado do barbeiro, por causa dos trinta reis, foi sempre na cola dele, desconfiado de desenlace tão inoportuno para a sua bolsa. Quando todos regressaram, noite dentro, a casa, o barbeiro escondeu-se na igreja para ver o que acontecia. E lá ficou, sozinho e de olho atento.

A certa hora da noite ouviu-se um estranho barulho vindo do exterior, que obrigou o barbeiro a manter-se no seu lugar. Era uma quadrilha de gatunos que vinha de mais uma noite de assaltos. Naquela noite traziam consigo uma fortuna muito grande. E então, entraram na igreja onde estava o caixão. Mas um deles, apesar de ver o caixão e de não ver mais ninguém, disse para os camaradas:

-Ai, que cheira a corpo vivo!

O que estava no caixão, supondo-se descoberto, gritou:

-Acudi-me, meus irmãos defuntos!

Ao escutarem aquele grito vindo do caixão, os gatunos fugiram todos, abandonando toda a fortuna que levavam. Cada um fugiu por onde podia, mas quando se encontraram já um pouco mais longe, um deles, mais resolvido, disse:

Alto lá! Nós deixamos tanta fortuna sem sabermos a quem? Isto não pode ser. Eu vou para trás. Quero ver quem se apoderou do que é nosso.

Os outros, encorajados pelo colega, foram também. Mas na igreja o «morto» e o barbeiro, ao terem visto com tamanha fortuna, esqueceram o problema que tinham entre si, e começaram a partilhar as coisas dos ladrões. Como as portas tinham sido fechadas, os gatunos aproximaram-se silenciosamente para ouvirem o que se passava lá dentro. Eles estavam ainda lá a terminar as partilhas:

-Ah, mas ainda faltam os meus trinta reis – disse o barbeiro.

Os que estavam fora ouviram aquilo e voltaram a fugir, dizendo uns para os outros:

- Valha-nos S. Cristovão! Vamos fugir que eles são tantos e tantos, que já só sobram trinta reis para cada um. E lá não quiseram mais voltar para tirar satisfação do que lhes acontecera.

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