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Lenda da Moira Encantada de Giela


Era uma vez um rei moiro, cujo nome se perdeu na memória dos tempos.

Viera d’além-mar, com outros reis e guerreiros da sua raça, levando de vencida o povo cristão até as montanhas das Astúrias, onde este encontrou reduto e alcançou coragem para expulsar, por fim, o invasor e o inimigo da fé.

O rei habitava um esplêndido palácio, rodeado de conforto e de riqueza, com os seus pátios rendilhados e as suas fontes jorrando frescura, com os seus jardins aromáticos de flores, num lugar altaneiro, chamado Giela, avistando a paz de um vale, por onde desliza, entre salgueirais, manso e transparente, o rio Vez.

Tinha o monarca uma filha muito famosa, que mantinha encerrada nas salas e aposentos do seu palácio, longe das vistas dos seus vizires e cavaleiros, reservando-a para um casamento com algum califa vizinho que lhe aumentasse a fortuna e o território.

Não lhe permitia, mesmo, assomar a uma janela para contemplar a paisagem que as aias e os criados lhe diziam ser maravilhosa.

Um dia, porém, a princesa conseguiu que a obediência e simpatia dos seus servos lhe ajaezassem um dos cavalos do pai e, ao raiar de um dia calmo de Verão, cavalgou, livre, sozinha, até às margens do Vez.

É difícil de imaginar o seu contentamento e o seu encantamento!

Desmontando do veloz ginete e descalçando a delicadeza das suas babuchas bordadas a oiro, mergulhou a perfeição dos pés morenos na claridade da corrente.

Súbito, ao erguer os olhos para a margem oposta, viu sair do bosque que a circundava um jovem cavaleiro revestido de uma armadura prateada, montado num soberbo cavalo branco, de compridas crinas oscilando à brisa matutina.

Era decerto um guerreiro cristão, perdido do seu exército.

Trazia na mão, coberta por um guante de ferro, um altivo pendão, desenrolando a heráldica de um brasão, onde se enguia um castelo de oiro em fundo vermelho.

O cavalo branco curvou o pescoço elegante para beber, a largos haustos, a água límpida do rio. Então, os olhos azuis do cavaleiro, como um céu muito puro, mergulharam nos olhos da princesa, negros como as trevas da noite.

E dir-se-ia que uma flecha de amor atravessou, silvando, ambos os corações.

Nesse exato momento, surgiram, por detrás da princesa, duas dezenas de soldados moiros que, respeitosamente, a convidaram a regressar ao palácio, onde o pai a esperava, numa preocupação.

Mas, vendo, na outra margem, o cavaleiro cristão, atravessaram o rio, com grande restolhar de água, para lhe dar combate.

Ante o desespero da princesa, foi breve o entrechoque das armas, tão desigual!

Feridos pela espada do cavaleiro, alguns soldados ficaram por terra, sangrando e gemendo. Mas os restantes, em altos brados, foram em perseguição do jovem inimigo, que se embrenhou na mata, sem possibilidade de despedaçar, um por um, aquele numeroso grupo de infiéis.

Lamentando um amor tão cedo desaparecido, a princesa voltou aos braços do pai, jurando, no entanto, jamais conceder a mão de esposa senão àquele cavaleiro dos olhos azuis que lhe arrebatara o coração.

E, na esperança de o reencontrar, descia constantemente até ao Vez, e ali ficava carpindo-se, com os olhos rasos de água, vendo-lhe as margens desertas.

Assim passaram anos.

Assim passaram séculos.

Mas, ainda hoje, na paisagem adormecida, há quem consiga adivinhar, junto à placidez do rio, um vago vulto de mulher, com um leve véu ocultando-lhe a formosura do rosto, olhando fixamente o escuro arvoredo da margem.

É a moira de Giela, aguardando que surja, do segredo da noite, um cavalo branco montado pelo jovem cavaleiro de olhar azul, revestido de prata e trazendo, na mão, a heráldica de um pendão, onde, em fundo vermelho, brilha um castelo de oiro.

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