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Lenda da Luta Fratricida


Era uma vez dois irmãos, que haviam perdido os pais muito cedo e, sem grandes meios de fortuna, embora de uma família respeitada pela nobreza e honestidade, viviam numa grande casa de interiores modestos, no lugar da Argaçosa, na aldeia da Meadela, junto a Viana.

Sem primores de educação, devido à sua orfandade, os dois rapazes entregavam-se a uma vida boémia, mal cuidando de si próprios e da casa, num abandono ameaçador de miséria e de ruína.

Vendo os poucos haveres a desaparecerem, dia a dia, no jogo, nas refeições dispendiosas em restaurantes de luxo e as roupas no desleixo das nódoas e rasgões; vendo, ainda, a baixela quase reduzida a cacos e a poeira e o lixo a pesarem sobre os móveis e o chão, decidiram procurar uma criada que lhes melhorasse as precárias condições de vida e os salvasse de um fim dramático.

E, porque a tarefa de lhes governar a casa pedia um ânimo jovem, contrataram os serviços de uma moça do campo, afeita à canseira das lides da terra e do lar.

A nova criadita logo deu conta do recado, com grande satisfação dos patrões que começaram a ver as suas finanças equilibradas, as refeições mais apaladadas, a roupa bem tratada e a casa limpa com esmero.

O pior é que a moça era bonita de cara e airosa de corpo.

Isto acabou por descobrir o irmão mais novo que começou a requestá-la, às ocultas, com valiosas oferendas.

E a rapariga, sensível a tais gentilezas, não tardou a enamorar-se do rapaz, sonhando passar, em breve, de serva a patroa.

O namoro chegou a tal ponto que o rapaz resolveu confessar aquele amor ao irmão mais velho, bem como o propósito de fazer a criadita sua esposa.

Deu o mais velho por paus e por pedras com a confissão.

Na sua posição de morgado, jamais consentiria casamento tão desigual, que iria indignar a parentela e manchar, com o sangue plebeu de uma simples camponesa, a prosápia dos seus pergaminhos.

Mas esta reação tinha, afinal, uma justificação secreta.

É que também ele se deixara conquistar pelos encantos da moça.

A partir daí, uma onda de ciúme começou a azedar as relações entre os dois irmãos, com brigas e insultos.

Numa ocasião, o irmão mais velho quis ausentar-se, em viagem de recreio.

Ao regressar, avisou o irmão que iria despedir a causadora dos constantes conflitos entre eles, pois arranjara uma nova criada, bem mais eficiente.

Não tolerou o mais novo tal decisão do mais velho.

E, transtornado com a notícia que lhe atingia o coração apaixonado, avançou para o irmão, disposto a defender, corpo a corpo, a presença, naquela casa, da sua namorada.

De repente, o mais novo sacou de uma navalha, que era a sua defesa nas noites de perigo pelos caminhos ermos.

E quis rasgar, com ela, o peito do irmão, agora seu inimigo.

Mas o mais velho também estava bem armado.

E, de navalha na mão certeira, procurou, igualmente, o peito do adversário.

Feridos de morte, os dois irmãos caíram no chão, com dois jorros de sangue.

Acudira a causadora inocente desse confronto terrível.

Ao ver o horror sangrento da cena, que lhe arrebatava à vida o seu amor, o coração rebentou-se-lhe no peito e, com um grito, tombou morta ao lado dos cadáveres dos dois irmãos.

A casa que assistiu, no silêncio do pavor, a toda esta tragédia, não mais consentiu que alguém a habitasse em paz, e, assombrada, começou a ruir, pedra após pedra, ocultando-se sob mato e ervas daninhas que, todavia, não conseguem apagar da memória aquele amor infeliz, aquela luta fratricida.

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