Lenda da Veiga da Matança


Era uma vez uma veiga a que chamam a Veiga da Matança, em terras de beleza e viço dos Arcos de Valdevez.

O seu nome nasce da convicção popular de que, em 1143, aí se travou uma batalha sanguinária entre as hostes de D. Afonso Henriques e as de seu primo, o Imperador e rei D. Afonso VII, de Leão.

O motivo da contenda residia na quebra do tratado de Tuy, em que o primeiro rei de Portugal prometia vassalagem ao soberano vizinho.

Mas D. Afonso Henriques era um espírito rebelde, valente e determinado, disposto a fazer do Condado Portucalense que exigira, pelas armas, a sua mãe D. Teresa, um país independente e dilatado á custa das conquistas dos territórios da Moirama, a estenderem-se do Mondego ao reino do Algarve.

Tivera, já, sob a proteção divina, uma batalha decisiva, nos Campos de Ourique, além-Tejo, contra cinco reis moiros.

Como memória desta vitória e da milagrosa presença de Cristo, pois a lenda afirma o seu aparecimento ao rei, encorajando-o à luta contra os infiéis, a bandeira de D. Afonso Henriques passou a ostentar, em cinco quinas, as cinco chagas do Crucificado.

Sabendo da entrada do imperador pelo norte do país que estava a construir, com entusiasmo, o rei português sobe aos Arcos, disposto a terçar armas pelos direitos do seu sonho patriótico. E foi ocupar logo, para dar batalha, um lugar privilegiado, o alto Castelo de Santa Cruz, onde os seus cavaleiros aguardaram, impacientes, o inimigo leonês.

Em piores condições encontrava-se D. Afonso VII, à frente das suas mesnadas.

Combater o primo, em tais apuros, era uma temeridade!

Então, sabiamente aconselhado, propôs a D. Afonso Henriques o encontro dos dois exércitos na planura da veiga, não para a violência de uma batalha, mas apenas para a destreza de um torneio, ou baforada, como então era chamado.

Assim, cada cavaleiro português desafiava um cavaleiro leonês, para um confronto singular.

E venceria quem mais inimigos houvessem derrubado.

D. Afonso Henriques aceitou o repto e, rodeado de bons e esforçados cavaleiros, experientes em manejar a lança e a espada no corpo do contendor, saiu-se vencedor do bafordo, obrigando o imperador a regressar aos seus domínios de além-Minho.

Pouco tardou que D. Afonso VII não assinasse um armistício com o primo português, aceitando-lhe, diante de um alto dignitário da Igreja, o título de rei.

Graças ao acordo entre dois monarcas, a veiga arcuense assistiu, assim, não a uma carnificina, mas quase a um espetáculo palaciano, embora temerário, que, noutras circunstâncias, poderia, até, ser admirado por damas e donzéis, entre guiões de seda e ornamentos de festa. Mas a lenda sobrepõe-se à História.

E, séculos atrás de séculos, o povo olha a pujança pacífica daquela extensa veiga cultivada, como local fatídico de uma horrenda batalha, com a terra empapada em sangue, cavalos desventrados, guerreiros agonizantes, segurando, ainda, na mão exangue, lanças, escudos, espadas, gemendo de dor, suspirando de morte. Incólume, no meio desta hecatombe, empunhado a branca bandeira das quinas, montando um cavalo banhado de espuma, mas de crinas agitadas ao vento da glória, qualquer pode imaginar o vulto espesso e nobre de D. Afonso Henriques, o rei-herói, anunciando, naquela veiga, naquela matança, o Dia Primeiro de Portugal!

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