A Fidalga Branca
Era uma vez um jovem fidalgo chamado D. Francisco Machado, dono do Castelo de Castro, que contemplava, dos altos, as terras vastas e íngremes do Gerez, tão copiosas de fontes termais, de colmeias de mel, de animais bravios, de fundas florestas refletidas no cristalino das cascatas.
D. Francisco era solteiro, tal como o seu primo e amigo D. Jerónimo de Sá, com quem partilhava o gosto da caça e dos divertimentos mundanos.
Um dia, em certa festa, num solar vizinho do Castelo de Castro, D. Francisco conheceu D. Maria da Silva, e logo se prendeu de amores pela sua extrema beleza, a sua graça, a elegância suprema do seu corpo e das suas palavras, reveladoras de uma inteligência e de uma sensibilidade pouco comuns.
Não tardou a confessar ao primo o conhecimento que tivera com a jovem, a impressão tão favorável que ela lhe causara.
Sorrindo do entusiasmo do amigo, D. Jerónimo indagou-lhe por que razão não pedia em casamento essa beldade, essa gentileza.
O celibato de D. Francisco ia já adiantado, e arriscava-se a prolongar-se, privando-o de uma doce companhia feminina e da alegria de um herdeiro.
E, constantemente estimulado pelos conselhos casamenteiros do primo, tendo sempre presente no coração aquela imagem sedutora de D. Maria, resolveu, por fim, pedir-lhe a mão. Um curto noivado levou-os, felizes, ao matrimónio.
Foi, então, que D. Jerónimo viu, pela vez primeira, aquela que passara a ser sua prima. E, assim como acontecera ao amigo e parente, essa visão arrebatou-o de tal modo que um amor violento e obsessivo começou a torturar-lhe a existência, afastando-o dos prazeres da caça e das ruidosas reuniões mundanas.
Entretanto, o novo casal foi habitar o Castelo de Castro, rodeado de um maravilhoso parque, com pequenos lagos azuis e canteiros de flores coloridas e perfumadas, ruas de buxo, onde o chão pisado rangia de areias vermelhas.
Era na paz desse parque que D. Maria da Silva passava a maior parte do seu tempo, sentada à sombra de alguma árvore bem copada, entregue ora à leitura de um livro, ora à paciência de um bordado.
Muitas vezes o marido lhe fazia ali companhia, trazendo consigo D. Jerónimo, sempre desejoso, este, de contemplar aquele rosto que a má-sina o fazia adorar, queimando-lhe a alma com o ciúme e a inveja, instigando-o a trair a amizade e o decoro.
Uma vez, ao saber que D. Francisco se ausentava, por umas horas, do seu Castelo e da sua esposa, nos pesados deveres de proprietário rural, não hesitou em procurar D. Maria a sós e em lhe confessar os seus sentimentos transtornados. Foi encontrá-la no parque, entretida com o seu bastidor e a sua talagarça.
D. Maria, ignorante dos propósitos pecaminosos do primo, acolheu-o com simpatia. Mas logo D. Jerónimo lhe caiu aos pés, enchendo-lhe as mãos de beijos ardentes e, depois, tentando enlaçá-la, na loucura cega da paixão.
É impossível imaginar-se o espanto e revolta daquela mulher honesta e digna! Tentou afastar de si D. Jerónimo, com um grito aflito, de socorro.
Escutou-o o comendador D. Henrique de Sousa que, por acaso, passava na estrada que dá para o Castelo e, apesar da sua idade avançada, galgou, rápido, o alto muro do parque, conseguindo separar o ímpeto cobarde de D. Jerónimo do pavor indefeso de D. Maria.
E, com a autoridade que lhe concedia a sua idade e o seu prestígio, expulsou, de espada desembainhada, a vilania de D. Jerónimo.
Depois, oferecendo o braço à jovem, trémula de indignação, encaminhou-se para o Castelo, a acalmá-la da emoção recebida.
D. Jerónimo, vexado pela expulsão que lhe movera o comendador e pela repulsa que lera nos olhos da D. Maria, decidiu vingar-se de ambos, fazendo-os tombar numa cilada demoníaca. Num galope desenfreado, correu até ao lugar onde sabia encontrar-se D. Francisco, ocupado em dirigir os seus servos nos trabalhos da lavoira.
Bradou-lhe, então, que corresse ao Castelo para surpreender a infidelidade da esposa com D. Henrique de Sousa.
Escutou-o o primo com desconfiança, consciente, como estava, do amor de D. Maria e da nobreza de carácter do comendador.
Mas D. Jerónimo insistia.
Se se apressassem, talvez surpreendessem, em flagrante delito, os dois infames.
E D. Francisco, à ilharga do falso amigo, decidiu-se, então, a regressar a casa.
Chegados, logo D. Jerónimo lhe apontou a janela dos aposentos da esposa, onde dois vultos se recortavam, bem nítidos.
De espada em punho, D. Francisco entrou no Castelo, disposto a castigar, de um golpe, aquela ofensa tremenda à sua honra.
Murmurou-lhe D. Jerónimo:
- Sê severo para com a tua esposa, que eu encarregar-me-ei de matar D. Henrique! Investindo pelos aposentos de D. Maria, D. Francisco, tresloucado, varou o peito da suposta culpada, sem lhe permitir mais do que um grito de dor.
Entretanto, D. Jerónimo fazia o mesmo ao desprevenido D. Henrique.
Não restava viva, já, nenhuma testemunha do ato nefando de D. Jerónimo!
Por muitos anos, o Castelo de Castro, entre as matas viridentes do Gerez, encerrou as suas portas ao mundo, até desfazer-se em ruínas, depois de assistir ao falecimento atormentado de D. Francisco Machado.
Lenda ou realidade, conta o povo que, em certas noites mais claras e límpidas, vagueia por aquelas ruínas um vulto branco de mulher, onde julga adivinhar D. Maria da Silva, a vítima inocente da sua beleza e do seu encanto senhoril.
D. Francisco era solteiro, tal como o seu primo e amigo D. Jerónimo de Sá, com quem partilhava o gosto da caça e dos divertimentos mundanos.
Um dia, em certa festa, num solar vizinho do Castelo de Castro, D. Francisco conheceu D. Maria da Silva, e logo se prendeu de amores pela sua extrema beleza, a sua graça, a elegância suprema do seu corpo e das suas palavras, reveladoras de uma inteligência e de uma sensibilidade pouco comuns.
Não tardou a confessar ao primo o conhecimento que tivera com a jovem, a impressão tão favorável que ela lhe causara.
Sorrindo do entusiasmo do amigo, D. Jerónimo indagou-lhe por que razão não pedia em casamento essa beldade, essa gentileza.
O celibato de D. Francisco ia já adiantado, e arriscava-se a prolongar-se, privando-o de uma doce companhia feminina e da alegria de um herdeiro.
E, constantemente estimulado pelos conselhos casamenteiros do primo, tendo sempre presente no coração aquela imagem sedutora de D. Maria, resolveu, por fim, pedir-lhe a mão. Um curto noivado levou-os, felizes, ao matrimónio.
Foi, então, que D. Jerónimo viu, pela vez primeira, aquela que passara a ser sua prima. E, assim como acontecera ao amigo e parente, essa visão arrebatou-o de tal modo que um amor violento e obsessivo começou a torturar-lhe a existência, afastando-o dos prazeres da caça e das ruidosas reuniões mundanas.
Entretanto, o novo casal foi habitar o Castelo de Castro, rodeado de um maravilhoso parque, com pequenos lagos azuis e canteiros de flores coloridas e perfumadas, ruas de buxo, onde o chão pisado rangia de areias vermelhas.
Era na paz desse parque que D. Maria da Silva passava a maior parte do seu tempo, sentada à sombra de alguma árvore bem copada, entregue ora à leitura de um livro, ora à paciência de um bordado.
Muitas vezes o marido lhe fazia ali companhia, trazendo consigo D. Jerónimo, sempre desejoso, este, de contemplar aquele rosto que a má-sina o fazia adorar, queimando-lhe a alma com o ciúme e a inveja, instigando-o a trair a amizade e o decoro.
Uma vez, ao saber que D. Francisco se ausentava, por umas horas, do seu Castelo e da sua esposa, nos pesados deveres de proprietário rural, não hesitou em procurar D. Maria a sós e em lhe confessar os seus sentimentos transtornados. Foi encontrá-la no parque, entretida com o seu bastidor e a sua talagarça.
D. Maria, ignorante dos propósitos pecaminosos do primo, acolheu-o com simpatia. Mas logo D. Jerónimo lhe caiu aos pés, enchendo-lhe as mãos de beijos ardentes e, depois, tentando enlaçá-la, na loucura cega da paixão.
É impossível imaginar-se o espanto e revolta daquela mulher honesta e digna! Tentou afastar de si D. Jerónimo, com um grito aflito, de socorro.
Escutou-o o comendador D. Henrique de Sousa que, por acaso, passava na estrada que dá para o Castelo e, apesar da sua idade avançada, galgou, rápido, o alto muro do parque, conseguindo separar o ímpeto cobarde de D. Jerónimo do pavor indefeso de D. Maria.
E, com a autoridade que lhe concedia a sua idade e o seu prestígio, expulsou, de espada desembainhada, a vilania de D. Jerónimo.
Depois, oferecendo o braço à jovem, trémula de indignação, encaminhou-se para o Castelo, a acalmá-la da emoção recebida.
D. Jerónimo, vexado pela expulsão que lhe movera o comendador e pela repulsa que lera nos olhos da D. Maria, decidiu vingar-se de ambos, fazendo-os tombar numa cilada demoníaca. Num galope desenfreado, correu até ao lugar onde sabia encontrar-se D. Francisco, ocupado em dirigir os seus servos nos trabalhos da lavoira.
Bradou-lhe, então, que corresse ao Castelo para surpreender a infidelidade da esposa com D. Henrique de Sousa.
Escutou-o o primo com desconfiança, consciente, como estava, do amor de D. Maria e da nobreza de carácter do comendador.
Mas D. Jerónimo insistia.
Se se apressassem, talvez surpreendessem, em flagrante delito, os dois infames.
E D. Francisco, à ilharga do falso amigo, decidiu-se, então, a regressar a casa.
Chegados, logo D. Jerónimo lhe apontou a janela dos aposentos da esposa, onde dois vultos se recortavam, bem nítidos.
De espada em punho, D. Francisco entrou no Castelo, disposto a castigar, de um golpe, aquela ofensa tremenda à sua honra.
Murmurou-lhe D. Jerónimo:
- Sê severo para com a tua esposa, que eu encarregar-me-ei de matar D. Henrique! Investindo pelos aposentos de D. Maria, D. Francisco, tresloucado, varou o peito da suposta culpada, sem lhe permitir mais do que um grito de dor.
Entretanto, D. Jerónimo fazia o mesmo ao desprevenido D. Henrique.
Não restava viva, já, nenhuma testemunha do ato nefando de D. Jerónimo!
Por muitos anos, o Castelo de Castro, entre as matas viridentes do Gerez, encerrou as suas portas ao mundo, até desfazer-se em ruínas, depois de assistir ao falecimento atormentado de D. Francisco Machado.
Lenda ou realidade, conta o povo que, em certas noites mais claras e límpidas, vagueia por aquelas ruínas um vulto branco de mulher, onde julga adivinhar D. Maria da Silva, a vítima inocente da sua beleza e do seu encanto senhoril.
Chama-lhe “a fidalga branca” e, com temor e respeito, vê-a, subitamente, desaparecer nos ares, num fremir de sedas da sua veste imaculada, tão imaculada como a alma pura da desditosa castelã.